Larissa 05/04/2020
Provavelmente o melhor livro da literatura brasileira
Quando li esse romance pela primeira vez era apenas aluna do EM e provavelmente não o entendi, por isso não gostei. Porém, ao ler mais profundamente anos mais tarde, na faculdade, e ir a fundo na interpretação da obra, compreendi todos os aspectos que exponho a seguir.
Em Memórias Póstumas, Machado de Assis demonstra uma criatividade nunca dantes trabalhada nos romances brasileiros. Apesar de a obra ter iniciado o Realismo brasileiro, contraria o cientificismo característico da época e a crítica agressiva à burguesia (como Eça de Queirós o fez) e rompe o contrato autor-leitor vindo do Romantismo, vigente até então (caracterizado por um padrão que não mais surpreendia o leitor, era previsível). E apenas para citar alguns aspectos: Machado revolucionou o formato do romance - geralmente escrito com mais ou manos 30 capítulos - que foi composto dessa vez com mais de 100 capítulos, muito curtos e alguns deles são praticamente vazios; a dedicatória escatológica é destinada a um verme - o que primeiro o corroeu - e aí está a segunda das muitas ironias da obra (a começar pelo título). Nesta dedicatória, Brás Cubas já dá a entender, antes de se explicar, nos primeiros capítulos, que a morte nos livra do peso da imagem a qual temos que zelar perante a sociedade. E ele, agora, do além-vida onde está, petulante como é e livre deste peso, julga-nos, os leitores, sem nenhuma misericórdia. E este é um ponto a mais para Machado: criticar a burguesia com este escarninho de um próprio antigo membro dela. Este Brás Cubas, com o seu discurso irônico, pinta toda a sua mediocridade, sem medo, que é mais para expressar quão vãs, depois de tudo, é a vida que levamos nessas veleidades, buscando glórias, "sede de nomeada", fama, desconfiança, dispersão, magnetismo - todos elementos presentes na natureza humana que Machado se importa em discutir.
Brás Cubas fica vagando por eles e, por isso, nunca se autoafirma; já Virgília, a sua amante, apesar de também ambiciosa, é decidida, mais pensada e "capaz de grands sacrifícios para conservar ambas as vantagens", isto é, viveu convenientemente.
Mas Brás não se acha indigno por apenas "passar pela vida"; passou pela vida refém da glória, mas no final consegue achar seu "lado positivo": não "transmitiu" todos os seus males a ninguém por não deixar descendência.
Quanto à narrativa e ao tempo, Brás Cubas é o narrador personagem, observador, por cujas lentes nos é relatada a história, que começa pelo final da sua vida e é depois passada de forma mais ou menos linear, e sempre impregnada das digressões do seu narrador.
Esse estilo marcou uma nova fase na obra machadiana e Memórias Póstumas continua capaz de surpreender pela extravagância romanesca, pela novidade dos procedimentos de composição, pela interpretação desabusada do leitor, pelo cinismo do autor e mediocridade do herói. E claro, pelo autor defunto.
Outras características marcantes do estilo machadiano: a conversa com o leitor, a ironia (que é o caminho para analisar a ambição e a vaidade humanas, sendo o humor também a válvula de escape para a angústia), o estudo da alma da personagem, o tratamento da vida como um espetáculo.