Andre.Alves 23/09/2023
Um livro surpreendente, mas que poderia ser mais
Este livro tem pontos positivos e negativos muito bem demarcados. De positivo, a forma como a “burocracia estatal” é tratada de maneira palpável e detalhista passa uma sensação de realidade que eu não esperava. A política do livro é um ponto muito positivo, ainda mais pra um livro infanto-juvenil.
A ambientação também é outro aspecto positivo. Comecei a ler o livro imaginando um reino medieval, mas quando vi que na prática o livro era uma espécie de américa latina moderna “ficcionalizada”, fiquei contente. As locações têm personalidade e é fácil visualizá-las ao longo da leitura. Terminei o livro querendo mais desse universo. Eu visitaria fácil as praias presentes na história.
A ideia de trabalhar a questão da militância e resistência política também é positiva, mas é aqui onde a controvérsia começa. Mostrar que a política existe para além da institucionalidade e que a organização do povo em movimento político é um tema muito importante. Diria que, para a realidade brasileira, é um dos temas mais centrais a se debater em literatura e mídia em geral. De certa forma, o livro se propõe a levar politização para um público jovem, e eu gosto muito da proposta. Porém, questiono a execução.
A trama se inicia quando um príncipe filho de um rei despótico é morto em um atentado (amo). Tal príncipe tinha tudo para seguir com a mesma política do pai, e sua morte joga sua irmã na linha de sucessão. Por ter crescido mais próxima do povo, ela possui uma visão menos encastelada e se preocupa de fato com as questões do povo. Só que, ao mesmo tempo que ela passa a gostar de exercer essa função, de melhorar o seu país, ela também repudia a forma como seu irmão foi morto. Um bom drama, diga-se. Só que isso é o que a personagem sente. Não necessariamente o livro teria que ter essa mesma tese.
Todas as mudanças feitas pela protagonista só foram possíveis graças a morte do príncipe. Se o que ela fez é bom, a morte dele há de ter sido boa. Mas o livro se acovarda. Trata com vilania os responsáveis e igualar a violência de um povo contra seus carrascos com a violência dos carrascos. Isso gera situações estúpidas como um “núcleo malvado” dentro da “aliança rebelde” da vez, com doses cavalares de moralismo e caricatura. Pra um livro que trata de questões de organização revolucionária, a mensagem final flerta com um reformismo conciliatório dos mais bobos que já vi.
Além disso, o livro parece não saber lidar bem com as dores da protagonista. Toda vez que ela é confrontada com algo que não sabe lidar, o que se sucede é ela ir ao quarto e dormir. Parece até que ela sofre de narcolepsia. E isso se repete tanto ao ponto de ficar cômico. Esses eram os momentos em que os conflitos da protagonista tinham que ser acirrados. Ou, se fosse o caso, eram momentos para uma narrativa mais dinâmica, menos focada no dia-a-dia.
Mas o pior do livro sem dúvida é o romance. Há um triângulo amoroso cuja química da protagonista com ambos os pretendentes é terrível. Um deles, um “traidor” infiltrado, me parecia até ser muito mais velho pela forma como era descrito. Tive que reler parte do livro para perceber que ele também era jovem, e isso foi no mínimo esquisito. A virada do personagem é telegrafada, e a dinâmica poderia ser melhor se não houvesse esse elemento romance. Ele poderia ser um mentor, um confidente. Amizades também dão brechas para traição, e para o bem desse livro, creio que isso fosse melhor. Mas essa é minha opinião apenas.
A outra alternativa romântica também é ruim. Tão telegrafado quanto, a resolução do casal é óbvia, e a dinâmica entre ambos é brega e se arrasta. Toda vez que esse romance virava foco, a leitura travava. Torci genuinamente para a protagonista terminar solteira. Ela merece mais. No geral, uma leitura muito curiosa, com boas surpresas, outras nem tanto. Uma leitura válida, ainda mais para discutir politização com o público mais jovem. E definitivamente não era o que eu esperava quando comecei a ler esse livro.