Ana Verzola 17/01/2013
A realidade delas, por elas
O livro do rapper MV Bill e seu produtor, Celso Athayde, é um verdadeiro tour não somente pelo ambiente da favela – amplamente exposto na televisão como um lugar regado à violência e tráfico de drogas. Mas quem são essas pessoas que conduzem a estrada do tráfico? Há muito que postos de liderança nos morros não são dominados exclusivamente por homens. Muitas mulheres são envolvidas, direta ou indiretamente, nesse universo por vezes ignorado por nós, cidadãos – e principalmente pelo governo, segundo Bill.
É basicamente sobre essas mulheres que o livro “Falcão – Mulheres e o Tráfico” (2007) trata. As páginas nos levam para dentro desse (sub) mundo, nos apresenta a diversos personagens intrigantes e reais – que fizeram parte da pesquisa realizada pelos autores durante oito anos em diversos Estados brasileiros. Mães, esposas, prostitutas, adolescentes, donas da boca e donas do morro, que conquistaram espaço e respeito... Na criminalidade. Eu particularmente gosto bastante do formato de entrevista pingue-pongue, então achei de muito bom grado o livro nos apresentar a essas mulheres de modo que elas próprias nos façam ouvir o que têm a dizer e, de quebra, permitir que possamos ouvir suas vozes.
A cada nova entrevista, um novo timbre soava em minha mente, conduzia os sotaques, as gírias e as próprias vivências relatadas por mulheres de diferentes idades. A obra é uma continuação do livro “Falcão – Meninos do Tráfico” (2006), originado a partir das gravações para o documentário de mesmo nome produzido pela dupla. O conteúdo é rico e mostra a realidade da vida precoce – iniciação cedo na droga, no tráfico e, infelizmente, na morte. Em dado momento do livro, MV Bill nos conta que todos nós estamos envolvidos nesse universo – e eu vejo que ignorar também é uma forma de envolvimento.
Nunca estive em uma favela, soa até hipócrita dizer que eu gostei de ler o livro. Mas acredito que o propósito dos autores era esse mesmo: apresentar ao Brasil um problema crônico presente no próprio País. Outro lado da moeda que não conhecemos. Imaginar por todos os lugares que eles passaram, todas as pessoas que conversaram, conheceram, conviveram – até mesmo as histórias que não entraram no livro – me fascina. E não apenas pela vida que cada um compartilha e pelo puro prazer de ouvir histórias, mas pela mudança que Athayde e Bill acreditam e lutam para que ocorra. Onde o simples fato de compartilhar isso com pessoas que eles nem sabem quem são talvez modifique a realidade de pelo menos uma comunidade.
As 270 páginas conduzem à reflexão e ao entendimento de como funciona uma rotina atrelada ao universo da drogadição e ao tráfico. É compreensível o motivo de tantos jovens abdicarem da própria vida por R$ 200 por semana na venda de entorpecentes? Status, falta de oportunidade, vício, dinheiro? São tantas as justificativas que fica difícil classificar o problema em uma única resposta. Mais revoltante que o próprio universo do tráfico, que ceifa a vida de milhões de pessoas no País, é ver como a ação dos policiais na favela enoja e nos faz desacreditar em resultados. Existe o lado certo quando ambos são corrompidos?
Diagramação
A diagramação é agradável, a fonte com serifa permite linearidade à leitura – a utilizada, salvo engano, foi a Times New Roman. Achei interessante que a cada novo capítulo há uma ilustração feita pelo Núcleo feminino de Grafite da CUFA (Central Única das Favelas) que remete à história que será abordada nas próximas páginas. A capa lembra a do primeiro livro “Falcão – Meninos do Tráfico”, onde um garoto tem o rosto quadriculado e com uma tarja preta sobre os olhos. Na obra em questão, há uma mulher negra com o rosto não identificado da mesma forma.