Lista de Livros 27/10/2023
Formação Econômica do Brasil, de Celso Furtado
Parte I:
“Os magníficos resultados financeiros da colonização agrícola do Brasil abriram perspectivas atraentes à utilização econômica das novas terras. Sem embargo, os espanhóis continuaram concentrados em sua tarefa de extrair metais preciosos. Ao aumentar a pressão de seus adversários, limitaram-se a reforçar o cordão de isolamento em torno do seu rico quinhão. As terras onde estavam concentrados se singularizavam na América por serem densamente povoadas. Na verdade, a empresa colonial espanhola tinha como base a exploração dessa mão de obra. A Espanha não chegou a interessar-se em fomentar um intercâmbio com as colônias ou entre estas. A forma como estavam organizadas as relações entre Metrópole e colônias criava uma permanente escassez de meios de transporte; e era a causa de fretes excessivamente elevados. A política espanhola estava orientada no sentido de transformar as colônias em sistemas econômicos o quanto possível autossuficientes e produtores de um excedente líquido — na forma de metais preciosos — que se transferia periodicamente para a Metrópole. Esse afluxo de metais preciosos alcançou enormes proporções relativas e provocou profundas transformações estruturais na economia espanhola. O poder econômico do Estado cresceu desmesuradamente, e o enorme aumento no fluxo de renda gerado pelos gastos públicos — ou por gastos privados subsidiados pelo governo — provocou uma crônica inflação que se traduziu em persistente déficit na balança comercial. Sendo a Espanha o centro de uma inflação que chegou a propagar-se por toda a Europa, não é de estranhar que o nível geral de preços haja sido persistentemente mais elevado nesse país que em seus vizinhos, o que necessariamente teria de provocar um aumento de importações e uma diminuição de exportações. Em consequência, os metais preciosos que a Espanha recebia da América sob a forma de transferências unilaterais provocavam um afluxo de importação de efeitos negativos sobre a produção interna e altamente estimulante para as demais economias europeias. Por outro lado, a possibilidade de viver direta ou indiretamente de subsídios do Estado fez crescer o número de pessoas economicamente inativas, reduzindo a importância relativa na sociedade espanhola e na orientação da política estatal dos grupos dirigentes ligados às atividades produtivas.”
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Parte II:
“O século XVII constitui a etapa de maiores dificuldades na vida política da colônia. Em sua primeira metade, o desenvolvimento da economia açucareira foi interrompido pelas invasões holandesas. Nessa etapa os prejuízos são bem maiores para Portugal que para o próprio Brasil, teatro das operações de guerra. A administração holandesa se preocupou em reter na colônia parte das rendas fiscais proporcionadas pelo açúcar, o que permitiu um desenvolvimento mais intenso da vida urbana. Do ponto de vista do comércio e do fisco portugueses, entretanto, os prejuízos deveriam ser consideráveis. Simonsen estimou em 20 milhões de libras o valor das mercadorias subtraídas ao comércio lusitano. Isso concomitantemente com gastos militares vultosos. Encerrada a etapa militar, tem início a baixa nos preços do açúcar provocada pela perda do monopólio. Na segunda metade do século a rentabilidade da colônia baixou substancialmente, tanto para o comércio como para o erário lusitanos, ao mesmo tempo que cresciam suas próprias dificuldades de administração e defesa.
Na etapa de prosperidade da economia açucareira, os portugueses se haviam preocupado em estender seus domínios para o norte. A preocupação de defender o monopólio do açúcar deve haver fomentado esse movimento expansionista. Em fins do século XVI praticamente todas as terras tropicais do continente — isto é, as terras potencialmente produtoras de açúcar — estavam em mãos de espanhóis e portugueses, por essa época unidos sob um só governo. O ataque de holandeses, franceses e ingleses se fez em toda a linha que desce das Antilhas à região nordeste do Brasil. Aos portugueses coube a defesa da parte dessa linha ao sul da foz do Amazonas. Dessa forma, foi defendendo as terras da Espanha dos inimigos desta que os portugueses se fixaram na foz do grande rio, posição-chave para o fácil controle de toda a imensa bacia.
A experiência havia já demonstrado que a simples defesa militar sem a efetiva ocupação da terra era, a longo prazo, operação infrutífera, seja porque os demais povos não reconheciam direito senão sobre as terras efetivamente ocupadas, seja porque, na ausência de bases permanentes em terra, as operações de defesa se tornavam muito mais onerosas. Na época do apogeu açucareiro, Portugal ocupou — expulsando franceses, holandeses e ingleses — toda a costa que se estende até a foz do Amazonas. Pelo menos nessa parte da América estava eliminado o risco de formação de uma economia concorrente.”
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Parte III:
“Se se observa a natureza dos fenômenos cíclicos nas economias dependentes, em contraste com as industrializadas, percebe-se facilmente por que aquelas estiveram sempre condenadas a desequilíbrios de balança de pagamentos e à inflação monetária. O ciclo na economia industrializada está ligado às flutuações no volume das inversões. A crise se caracteriza por uma contração brusca dessas inversões, contração essa que reduz automaticamente a procura global e desencadeia uma série de reações que têm por efeito ir reduzindo cada vez mais essa procura. É fácil compreender que essa redução da procura se traduz imediatamente em contração das importações e liquidação de estoques. À simples notícia de que teve início a crise, os importadores, sabendo que a procura de produtos importados tenderá a reduzir-se, suspenderão os seus pedidos, o que acarreta a brusca baixa dos preços das mercadorias importadas, que neste caso são principalmente os produtos primários fornecidos pelas economias dependentes. Por outro lado, a contração dos negócios provocada pela crise reduz a liquidez das empresas, induzindo-as a lançar mão de quaisquer fundos de que disponham, inclusive aqueles que se encontram no exterior. Dessa forma, a crise vem acompanhada, para o país industrializado, de contração das importações, baixa de preços dos artigos importados e entrada de capitais. Por último, como grande parte dos capitais exportados no século XIX eram empréstimos públicos, ou inversões no setor privado com garantia de juros, o serviço dos capitais constituía uma partida relativamente rígida na conta corrente da balança de pagamentos e contribuía para reforçar a posição internacional dos países exportadores de capital nas etapas de depressão.”
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Parte IV:
“Assim como a segunda metade do século XIX se caracteriza pela transformação de uma economia escravista de grandes plantações em um sistema econômico baseado no trabalho assalariado, a primeira metade do século XX está marcada pela progressiva emergência de um sistema cujo principal centro dinâmico é o mercado interno.
O desenvolvimento econômico não acarreta necessariamente redução da participação do comércio exterior no produto nacional. Nas primeiras etapas do desenvolvimento das regiões de escassa população e abundantes recursos naturais — conforme observamos ao comparar as experiências do Brasil e dos EUA na primeira metade do século XIX186 — uma rápida expansão do setor externo possibilita uma alta capitalização e abre o caminho à absorção do progresso técnico. Sem embargo, à medida que uma economia se desenvolve, o papel que nela desempenha o comércio exterior se vai modificando. Na primeira etapa a indução externa constitui o fator dinâmico principal na determinação do nível da procura efetiva. Ao debilitar-se o estímulo externo, todo o sistema se contrai em um processo de atrofiamento. As reações ocorridas na etapa de contração não são suficientes, entretanto, para engendrar transformações estruturais cumulativas em sentido inverso. Se se prolonga a contração da procura externa, tem início um processo de desagregação e a consequente reversão a formas de economia de subsistência. Esse tipo de interdependência entre o estímulo externo e o desenvolvimento interno existiu plenamente na economia brasileira até a Primeira Guerra Mundial, e de forma atenuada até fins do terceiro decênio do século XX.”
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