Carol 01/01/2019Contra o papel da "supermãe".Desde a divulgação pela Todavia deste livro de ensaios da chilena Lina Meruane, criei boas expectativas. Por causa da autora, de quem li Sangue no Olho, em 2016, e gostei demais da escrita. E pela temática em si que me interessa tanto.
Pois bem, o livro é estruturado em 7 capítulos curtos e a tese central defendida pela autora é a de que vivemos um retrocesso no que diz respeito ao papel social da mulher-mãe. Em que pesem as conquistas feministas do último século, as mães nunca foram tão exigidas tanto na privacidade de seus lares, quanto no âmbito público.
Lina Meruane faz um apanhado histórico de como a maternidade/procriação sempre foram estimuladas pela sociedade, tanto em períodos mais conservadores quanto nos períodos mais progressistas. Mulheres que não podem ter filhos ou simplesmente não desejam tê-los continuam sendo cobradas por todos.
Em minha opinião, o capítulo "Do in-fértil cânone" acerca das artistas mulheres que tiveram que lidar com filhos, afazeres domésticos e o tempo escasso para produção criativa é o mais interessante. As mais bem-sucedidas, entre as autoras, não tiveram filhos: Santa Teresa D'Ávila, Sor Juana de la Cruz, Jane Austen, Emily Brontë, Edith Wharton, Virginia Woolf, entre outras. Dá pra entender pra onde aponta este inventário.
Regra geral, tendo a concordar com a tese da autora. Nunca me vi como mãe e vejo o "amor-maternal" como algo construído socialmente. E numa sociedade patriarcal, é sobre a mulher que recai o maior jugo. No entanto, alguns argumentos utilizados por Lina não me convenceram.
Em primeiro lugar, ela joga a culpa pela situação nas costas das mães, dos filhos, dos pais. E apenas em poucas páginas foca em quem eu creio ser o maior responsável pelo retrocesso: o Estado. A coletividade, a sociedade como um todo, melhor dizendo. O problema da maternidade é complexo e deve ser debatido em todos os setores da sociedade, em várias frentes. Individualismos aqui não funcionarão.
Em segundo, a autora faz uma enorme confusão entre defensores do parto natural, da alimentação saudável, da amamentação e as pessoas anti-vacinas (?). E faz uma defesa apaixonada da indústria alimentícia para bebês, chegando a soar ingênua.
Feitas as ressalvas, recomendo o ensaio. A escrita da Lina Meruane é concisa, clara e ela concatena bem os argumentos, ainda que eu discorde de alguns. Além do quê, o tema é atual e necessário ao debate público.