Jacques.Bourlegat 12/11/2020
A morte da verdade
Michiko Kakutani traz-nos uma obra que nos faz refletir sobre as razões que levam pessoas a crer em informações sem fundamento ou sem o devido lastro em fatos que envenenam os relacionamentos sociais. A "verdade" está deixando de ser referenciada por padrões e procedimentos específicos que demonstrem sua veracidade. Os fatos já não são mais suficientes para demonstrarem o vínculo entre verdade e realidade. As emoções ou percepções sobre qualquer assunto tomaram conta de grande parte do público no mundo todo. Um movimento de negacionismo, apesar das provas e dos fatos, leva uma massa considerável de pessoas a achar que não existe aquecimento global ou, que se existe, não é causado pela atividade humana, achar que a terra é plana, achar que brancos são superiores a outras etnias, achar que o mundo foi feito em 7 dias (6 pois no sétimo houve o descanso...), Achar que as mulher são submissas aos homens por terem sido criadas de uma das costelas de Adão, achar que vacinas causam doenças, achar que existe uma conspiração global de pedófilos, achar que um comunista é qualquer um que não concorde com ele, entre outros achismos sem parâmetros ou conceitos. Para onde caminha o mundo com essa corrosão da verdade em favor de "achismos"? A morte da verdade enuncia as falas mentirosas de políticos autoritários e populistas e também nos faz refletir sobre um paradoxo ligado às redes sociais. Elas favoreceram a disseminação em massa de ideologias radicais nas redes sociais por um processo de isolamento e acesso a informações limitadas, fazendo com que versões e visões "fora da bolha" sejam desacreditadas, polarizadas, aumentando o viés de confirmação e pertencimento ao grupo. Grupos de extrema direita e extrema esquerda autoritários têm se apropriado perfeitamente dessas ferramentas, assim como instaurando medo e provocando ódio, para orientação em massa. Apresentando uma "versão" da realidade que lhes convém com uma rejeição sistemática dos fatos e à ciência, que é uma das principais características desses adeptos da "pós-verdade", pretendem reescrever a história e remodelar o mundo fazendo apelo a sentimentos patrióticos ou nacionalistas para sustentar ações vis e mesquinhas, quando não são simplesmente cruéis. Muitas vezes dando predominância para uma meritocracia desigual, misoginia arcaica, moralismo patriarcal hipócrita, eugenia étnico-racial acientífico, desprezando os conceitos básicos de uma constituição democrática e dos valores da democracia. Deturpando os conceitos do pós-modernismo sobre verdades pessoais que são percepções moldadas pelas forças sociais e culturais de um indivíduo, esses totalitaristas da "pós-verdade" inventaram uma ficção para que a sua "verdade" tenha eco em uma boa parte da população que se deixa encantar por tais discursos populistas sem vínculos com a realidade, sem apreço às palavras proferidas, com descaso a uma outra parte da população, gerando mais divisão e discórdia. Há quem diga que só há uma verdade absoluta e há quem defenda uma verdade relativa. De qualquer forma sempre existirá a verdade dos fatos...essa nunca poderá morrer ou deixaremos de existir enquanto sociedade cultural.