Ari Phanie 21/04/2022Cultura nordestina + sobrenatural = ARRETADO, SIÔ!
Como é massa ler um livro de fantasia brasileiro tão marcante. E não porque é simplesmente bom, é porque a Paola Siviero usou o melhor recurso possível: nosso regionalismo. E o melhor de todos: da região do meu Nordeste. As pouquíssimas fantasias brasileiras que li ou vi nos últimos anos seguiam muito o roteiro das fantasias europeias, e aproveitaram pouco o que temos de melhor: nossa cultura.
O auto da maga Josefa nos presenteia com uma ambientação original em termos de mercado, construído à perfeição, um humor bastante característico do povo nordestino e personagens cativantes que encantam o leitor. A premissa é básica: Toninho e Josefa caçam monstros pelo sertão nordestino da década de 60. É um lugar árido e pobre, sim, mas não é só isso. E enquanto Toninho e Josefa vão de encontro aos monstros que atormentam esse lugar, mostram também que ali não é só luta e pobreza, tem um povo alegre que sabe aproveitar os pequenos prazeres da vida; e os comportamentos, tradições e símbolos desse povo que deixam tudo mais divertido e aconchegante.
Para além dessa ambientação maravilhosa sobre a qual eu poderia falar incansavelmente, não posso deixar de mencionar a construção dos personagens. Toninho é onde mais reside a hilaridade da história. Ele é filho de caçadores profissionais, e desde menino sabe o ofício. Ele trabalhava sozinho, mas ao conhecer a braba Josefa, resolve que talvez seja bom ter companhia e alguma ajuda. Josefa é uma maga, um ser que por si só deveria ser caçado, mas ela não é má, apesar de ser bastante geniosa. E quem me conhece sabe que eu amo uma personagem feminina geniosa. Eu amei o Toninho, mas a Josefa é minha preferida. Além de bastante impetuosa e perspicaz, é através da Josefa que a Paola emite as melhoras críticas sociais.
E o que falar dos monstros? A autora usou os mitos que conhecemos e que não são nada originais, ou sequer fazem parte do nosso folclore, mas deu uma roupagem abrasileirada ou única para eles. Primeiro, tivemos o demônio-bebê que não gostava do inferno, depois a vampira nordestina com problemas de alcoolismo, seguida pelo coronel-múmia e uma Sereia justiceira; logo depois veio o calango voador (ou um dragão cearense), e um gênio da lâmpada maligno que fez um povo miserável prosperar, seguido de um golem criado por um menininho judeu sem amigos, um chupa-cabra metido nas terras de uma velhinha pra lá de arretada, e depois um pobre lobisomem sem sorte. O último caso é o da própria Josefa que conta com participações pra lá de especiais. Eu não vou mentir que gostei da execução de todos os casos. Algumas vezes, senti falta de uma complexidade, de um pouco mais de tempo nas resoluções; alguns foram muito rápido e fáceis de resolver e terminavam com conclusões superficiais. Mas para alguém começando a sua trajetória na escrita, eu diria que a Paola arrebentou. E fez alguns contos me cativarem de verdade, como o da vampira, da sereia e do dragão.
Enfim, fiquei encantada com a mescla de fantasia e uso da excelente cultura da qual tenho tanto orgulho. Quando vi que a Paola Siveiro não era nordestina, fiquei com o pé atrás, com medo de encontrar algo caricato e estereotipado, mas ela fez um trabalho incrível. Toda a pesquisa e o estudo pagaram porque ela foi certeira. O livro é uma preciosidade que exalta o meu povo e a minha cultura, e eu agradeço à autora e a todos que ajudaram esse livro a ganhar vida. É de autora e histórias assim que precisamos.