Tiago600 11/11/2022
Depois disso, Apenas o Dilúvio
Sim, sim, é verdade Machado, os vermes seguem roendo as carnes frias e nós debilmente continuamos nos arrastando nesse tabuleiro, nunca antes tão apegados em simulacros, como múmias que utilizam tênis Adidas.
Olho pela janela, vagarosamente começa a chover. Em silêncio, me ponho a pensar. Que estranho papel tenho desempenhado em minha vida. Por quê estou sentindo tudo isso? Qual terá sido a causa? Minha melancolia? Minhas reflexões tolas? O livro? Pobre Mamãe, com sua expressão pálida. Logo ela algum dia também será uma sombra junto de meu Pai. Talvez logo estarei na sala da casa, essa que é a casa de minha infância, vestido de negro, buscarei em minha mente palavras de consolo, e só encontrarei palavras vazias e inúteis. Sim, isso acontecerá muito em breve.
Sim, os jornais têm razão: a chuva cai em vários locais do estado, do país, caindo em toda parte, nas colinas sem árvores, aldeias e cidades, seguindo suavemente, dentro das mudas e escuras ondas.
Um a um todos nos convertemos em sombras. Melhor passar bravamente para o outro mundo cheio de glória e paixão do que ir apagando-se pouco a pouco, murchando com a idade. Pensem em todas as pessoas que existiram desde o princípio dos tempos. Eu, transeunte como elas, também me apego inutilmente ao seu mundo cinza. Como tudo ao meu redor, este mundo tão sólido, no qual construíram e viveram está minguando e dissolvendo-se. Cai a chuva. Cai nesse cemitério solitário onde jaz meu pai. Cai debilmente no universo, e cai debilmente, como o final inevitável sobre todos nós, vivos e mortos.