Fabby 17/09/2021
Estou aqui pensando sobre que palavras usar para falar sobre um livro que, sem sombra de dúvidas, entrou para a lista de top 10 da vida. Primeiro quero deixar um agradecimento especial a Michelle Gimenes por sua tradução primorosa e pelo carinho das notas de rodapé inseridas no momento certo, sem exageros e que acrescentaram qualidade a experiência de leitura.
O livro que nos conta a história de Isabelle, uma das meias irmãs feias de Cinderella (sim, aquelas que tentaram impedir que a Gata Borralheira - nossa! Quanto tempo não vejo esse nome!! - experimentasse o sapatinho de cristal perdido na escadaria do castelo) e entrei nessa aventura sem maiores expectativas que não as de uma leitura prazerosa e divertida com uma galerinha que ama os livros, além de poder conversar com elas sobre isso. Mas me deparei com isso já nas primeiras linhas:
"Esta é uma história sombria. Uma história assustadora. É uma história de outra época, em que lobos esperavam por garotas na floresta, feras andavam por corredores de castelos amaldiçoados e bruxas ficavam à espreita em casas feitas de pão de mel com telhados de confeitos. Essa época acabou faz muito tempo. Mas os lobos continuam por aqui, e agora são duas vezes mais espertos. As feras ainda existem. E a morte ainda se esconde na poeira."
Pensei "opa, vem coisa interessante por aí" e encontrei uma história realmente sombria, cheia de ódio, inveja, maldade e totalmente real, carregada de verdades. Um livro que mostra como as mulheres eram vistas nos séculos passados, como eram consideradas fracas, no dever de pertencer aos padrões estéticos e de comportamento mas muito mais profundo do que isso, ele trata de depressão, de dores tão profundamente enraizadas na personagem que a autoestima e o amor próprio são praticamente inexistentes. Dores causadas por pessoas tão próximas que são indispensáveis e, por serem tão amadas, têm acesso ao mais íntimo dela, conseguindo com suas falas agressivas e atitudes contundentes, arrancar pedaços de seu coração.
"Isabelle cortara fora seus dedos mas às vezes ela ainda os sentia. Maman arrancara seu coração. Às vezes, ela ainda o sentia também."
Nessa história vamos encontrar basicamente a luta de uma menina de 16 anos em se descobrir, em entender seu papel na família e na vida. Uma menina que não entende porque há necessidade de seguir um padrão que as amarras da sociedade impõem para as mulheres. Enquanto Fate, o Destino, já escreveu o caminho dela, um mapa a seguir, Chance tenta, de todas as formas, dar a ela uma oportunidade de que se liberte e seja feliz. Enquanto ela busca por beleza física achando que seria a solução para tudo, é colocada numa caça pelos pedaços perdidos de seu coração e isso mostra coisas tão mais puras e importantes a ela.
"Este mundo, as pessoas... Minha mãe, Tantine.. elas nos categorizam. Nos colocam em caixotes. Você é um ovo. Você é uma batata. Você é um repolho. Elas nos dizem quem somos. O que faremos. O que seremos."
Uma amiga me disse a alguns dias que nós, mulheres, estamos eternamente condicionadas a algum tipo de cobrança e de amarras. Se no passado fomos controladas por ser frágeis, hoje somos cobradas com a imposição de sermos fortes. Mas por que não podemos simplesmente ser nós mesmas? Por que não podemos ser sim felizes gordinhas? Por que não podemos ser guerreiras mas tudo bem se quisermos ser a garota romântica? Por que somos questionadas a cada minuto de nosso dia? Temos, todos, o direito de sentir dúvidas e de sim, termos uma dualidade de sentimentos e desejos que nos tornem únicas!
Esta leitura traz essa questão de não sermos unicamente boas ou ruins, bonitas ou feias apresentando o tempo todo situações em que essa dualidade aflora e que colocam nossas personagens em momentos de questionamento, trabalhando arduamente para que a culpa de não cumprir um papel pré estipulado não as corroa. Até as pessoas mais belas podem carregar momento de inveja, raiva e mágoa dentro de si, assim como as menos belas podem esconder verdadeiras guerreiras lutando por um bem maior, de forma desinteressada e totalmente altruísta.
Nesse livro vemos justamente isso... Temos a menina que sonhou em se casar com o príncipe mas temos aquela que quer casar com o fazendeiro, temos uma que ama matemática e outra que gostaria de ser soldado, de estar na guerra protegendo o povo! E temos, eternamente, o questionamento de porquê não merecer o respeito de todos apenas por ser somente aquilo que se quer ser.
Cada minuto de leitura foi uma lição de vida, um sacolejo na mente, daqueles que te fazem acordar de uma vida medíocre e normal para uma de plenitude e de tranquilidade emocional. Alguns diriam que essa é uma obra feminista e sim, todas as mulheres deveriam ler esse livro, mas eu acredito que seja mais do que isso, que seja uma lição para todos do quanto somos condicionados através de ensinamentos "maquiados" e preparados para esconder fatos que seriam essenciais para nossa realização, para a auto estima, amor próprio e valorização pessoal.
"Durante toda sua vida, ela fora ensinada que governantes do sexo feminino eram apenas fantoches, que mulheres não lutavam nem lideravam soldados na guerra. (...) Elas não eram belas, aquelas mulheres. Bela era uma palavra que não bastava nem para começar a descrevê-las. Elas eram sagazes. Poderosas. Ardilosas. Orgulhosas. Perigosas. Elas eram fortes. Elas eram corajosas. Elas eram lindas."
Se vocês, como eu, gostam de anotar passagens do que leem, preparem muito papel e caneta. E se vocês, como eu, imergem nas leituras e se emocionam, preparem muitos lenços. E separem tempo para reler... Pois é exatamente isso que farei assim que terminar essa resenha.