legarcia 29/12/2023
A dor do retirante mas também a de quem fica
?Essa terra? foi com certeza um livro desafiador, bem como instigante devido a sua excelente qualidade. Antônio Torres explora muito bem a interposição de vozes, a mudança temporal não cronológica que não apresenta dificuldade por mera vaidade, mas sim contribui para potencializar o efeito da narrativa.
O livro, em diversos trechos, guia-nos pela narrativa e, de repente, cria um feixe espacial e temporal, levando-nos a outros personagens, outras dores, outras experiências. Isso contribui para potencializar e ampliar o entendimento daquelas vidas, dos sentimentos e da psicologia dos personagens. O domínio do autor dessa técnica, realizando-a de forma não caricata, em boa medida e sem exageros, me impressionou muito.
Enfim, somos introduzidos a uma história marcada pela ausência presente de Nelo, um retirante do Junco que há tempos partiu rumo a São Paulo em busca de melhorar sua condição de vida. É depositado em Nelo, então, toda a esperança do Junco, é como se ele fosse a comprovação de que aquela terra poderia dar bons frutos, que era possível enriquecer.
Nelo deixa também um irmão que nunca conheceu e que, não obstante, vive pela sombra de tudo que ele representa, já que a mãe tem o retirante como seu maior orgulho. O ponto crítico é quando Nelo retorna e em seguida se suicida. Com isso, as pessoas percebem a realidade que Nelo vivia e é como se a ilusão e o sonho do Junco morressem junto com o homem.
Aprofundando-se na trajetória de Nelo, percebemos alguém que fica em um entre-lugar, uma vez que não se realiza em São Paulo, não se identifica com a cidade, mas também não o faz quando retorna ao Junco. Em São Paulo, ele é apenas um retirante e é tratado com desprezo e preconceito, no Junco ele não tem verdadeiramente seu espaço, não aprofundou suas raízes em nenhum lugar e não pertecer é causa de uma grande dor.
Por fim, a narrativa explora outras histórias, como a do pai e do irmão de Nelo, as quais promovem maior riqueza para a construção do cenário sertanejo da época. Antônio Torres produziu uma obra de excelente qualidade e bem diferente em tema de forma e técnica de outros romances regionais que havia tido contato. Com certeza uma ótima leitura!