Queria Estar Lendo 09/03/2016
Resenha: Preciosa
Como começar a descrever o livro da Sapphire? Essa resenha de Preciosa me deixou pensando por bastante tempo, especialmente em uma realidade que é tão distante da minha.
Não há muito mais que dizer sobre a história além do que está na sinopse. Precious é uma adolescente negra, pobre, gorda e analfabeta, abusada física e emocionalmente pelo pai e pela mãe desde muito jovem. Depois de ser forçada a abandonar a escola por causa de sua segunda gravidez e ser convidada para participar de um centro de aprendizagem alternativo, ela vai contar com a ajuda de Rain, uma professora engajada e batalhadora, para mudar a vida para si e para o filho.
Quando li Preciosa, estava no comecinho da faculdade, e ainda vivia naquela bolha de "não sei exatamente o que acontece no mundo fora a minha própria vida" e fiquei extremamente chocada com ele.
"Como isso pode eu não sei. Como mamãe e papai me conhecem há dezesseis anos e me odeiam. Como um estranho me conhece e me ama."
A história é intensa, não do tipo que te deixar na beira da cadeira sem saber o que vem a seguir, mas tenso do tipo em que todos os seus músculos se retesam e você não quer virar a página simplesmente porque sabe que tem coisa muito pior por vir.
Na cabeça do resto do mundo, Precious é só mais uma estatística: mais uma garota ignorada pelo sistema educacional e social, mais uma garota negligenciada pelos pais, mais uma garota sem oportunidades devido a classe social e a cor da pele, mais uma garota estuprada, mais uma mãe adolescente, mais uma garota com HIV. Precious é um pontinho em diversas estatísticas, mas Sapphire deu a ela vida e voz.
"Eu digo que estou me afogando no rio. Ela não me olha como louca, mas diz "Se você só sentar ai, o rio vai subir e te afogar. Escrever pode ser o bote que vai te levar ao outro lado."
Narrando o livro em primeira pessoa, ela não poupa erros na escrita, que emulam a forma como a própria protagonista escreve. O texto, escrito como se fosse uma conversa casual entre ela e o leitor, causa arrepios pelas escolhas. As palavras erradas, as palavras chulas, todas incomodam no começo. Até que isso se torne um novo personagem na história, porque ela reflete inteiramente a Precious e as vivências dela.
"Como algo é uma memória se você nunca esquece?"
A forma como ela escreve retrata a falta de incentivo e atenção por parte do ensino educacional, reflete sua desistência; as palavras que ela escolhe usar refletem o ambiente no qual vive, as pessoas com a qual convive. É de extrema importância para a história.
Ao longo do livro, conforme ela encontra segurança e apoio, a escrita evolui e isso representa a evolução pela qual ela está passando. Porque ela também não vai aceitar ser só uma estatística, Precious é inteligente e cheia de potencial, alguém que só precisava encontrar apoio para se desenvolver.
O livro apresenta uma realidade tão diferente da minha que achei que seria fácil me desprender dele, ver a história como uma história. Mas a verdade é que Precious tem sonhos como eu tinha na sua idade e como tantas outras pessoas também tiveram. Ela queria uma vida de sucesso, ser uma celebridade, queria vestidos caros e joias e um namorado bonitão. Ela queria provar para todas as pessoas que pensavam e faziam tão pouco dela, que ela era importante, que ela tinha um lugar e deixaria uma marca.
"Cada folha de grama tem um anjo que se curva e sussurra: cresça, cresça."
Meu coração se partiu junto ao dela com todos esses sonhos desfeitos, com toda a realidade cruel, com todo o mundo real.
Precious aceitava os mal tratos, amava a mãe negligente, ela acreditava que a culpa disso tudo era dela. Era só uma garota, era gorda, era feia, era burra, é claro que esse tipo de coisa ia acontecer com ela! Mas a partir do momento em que ela encontra apoio, ela é capaz de redefinir tudo isso.
É uma jornada incrível, essa escrita pela Sapphire. É um crescimento pessoal e uma consciência de si incrível. Turbulento, doloroso e por vezes nojento -- do tipo que você precisa fechar o livro e tomar um ar, porque a violência que a personagem sofre afeta você também -- é também superação.
O livro é tão curtinho e tão poderoso que não posso deixar de recomendar, o mínimo que você vai tirar dele é empatia. E vamos combinar, o mundo precisa disso.
A tristeza, no entanto, é chegar ao fim sabendo que Precious Jones é exceção, e não regra.