Queria Estar Lendo 22/06/2020
Resenha: Like a Love Story
Like a love story é um premiado título de Young Adult contemporâneo do autor Abdi Nazemian. Essa obra prima da literatura juvenil infelizmente não chegou ao Brasil ainda, mas hoje eu vim exaltá-la como a minha melhor leitura do semestre, e certamente uma das melhores da vida.
A trama acompanha três personagens principais: Art, Reza e Judy. Cada um deles com suas peculiaridades e individualidades, conectados pela amizade e pelo amor e pela luta pelos direitos da comunidade LGBQTIA+. Estamos falando de uma história que se passa no fim dos anos 80, quando a AIDS ainda estava em surto e ainda era um estigma, quando as pessoas olhavam para pessoas com HIV como se fossem contagiosos pelo simples fato de existirem.
Art, Reza e Judy vivem e se divertem e amam e sofrem em meio a esse momento conturbado, trilhando suas histórias em conjunto e solitariamente de maneira agradável e apaixonante.
"Não se esqueça de mim. De nós. Todos nós. O que fizemos. Pelo que lutamos. Nossa história. Quem somos. Eles não vão ensinar sobre nós nas escolas. Não querem que tenhamos uma história. Não nos veem. [...] Você precisa fazer com que eles nos vejam."
A narrativa do autor é gentil, carismática e cheia de vida. É impossível pegar esse livro e não querer devorá-lo do início ao fim; é uma obra sobre juventude, descobertas, sobre diferentes tipos de medos e abandono e recomeços. Fala sobre família - a de sangue, de coração e a que a gente escolhe. Fala sobre amizade - as coisas boas dela e as ruins. Fala sobre amor - os ganhos e perdas ao se apaixonar.
É um livro tão doce. Tão melancólico. Tão dolorosamente atual, quando menciona a intolerância e o medo de ser quem você é que recai sobre crianças e jovens da comunidade queer. É uma história sobre independência e liberdade, mas também sobre o peso que fazer escolhas. Fala sobre morte e luto e sobre vida e alegria.
Fazia muito tempo que uma história não me tocava tanto a ponto de arrancar sorrisos genuínos e lágrimas e soluços em diferentes pontos da trama. A narrativa é linear e encaixa bem seus momentos de virada, quando precisamos sentir mais e nos conectar mais com que nossos personagens estão sentindo.
Reza é iraniano; chegou nos Estados Unidos há pouco tempo, depois do novo casamento da mãe com um homem rico e influente de seu país, e está tentando se adaptar. Sempre movido pelo medo de ser quem é e do que isso significa para si e para quem ele ama; sempre com medo da vergonha que pode causar à mãe e a si mesmo, mas também do horror de se manter preso a alguém que não é. Reza sabe e entende que é gay, mas não dá voz a isso e nem a seus sentimentos, mantendo-os nos confins de sua mente para tentar escapar deles.
"Talvez eu não seja corajoso o suficiente para o amor."
Sua trajetória é cheia de dor e ferimentos emocionais pesados. Envolve autoaceitação e o sentimento de se libertar e ser feliz com isso, e é desesperador o quanto ele se prende ao que ser feliz pode significar para as outras pessoas. O quanto o medo que o mundo externo, com seus preconceitos e julgamentos e ataques, jogou sobre a comunidade LGBTQ+ causa na mente de um jovem se entendendo.
Com Art, Reza percebe que existe um caminho para felicidade - mas envolve se assumir. Assumir seu amor por garotos para o mundo. E a jornada de Reza é sobre isso; sobre superar o medo, e não realmente deixá-lo para trás.
"Jimmy uma vez que a AIDS é como a guerra. Governos e pessoas poderosas não se importam porque não são suas crianças sendo enviadas para as trincheiras. Não são suas crianças que estão morrendo. Mas eu sou uma dessas crianças, e estou nessa guerra."
Art, inclusive, é uma estrela em questão de carisma e emoção, mas também vive seus momentos cheios de problemas. Ainda que esteja rodeado do amor de Judy, sua melhor amiga, e da comunidade queer num todo, se assumir gay para o mundo e para quem está nele tem seu preço. E envolve bullying e perseguições na escola e o pior de tudo, os olhares e palavras dos seus pais, que vivem em negação.
Enquanto a narrativa de Reza fala de medo, a de Art fala sobre raiva. Ele é cheio de vida e sorrisos e emoção, ansioso por um mundo que o aceite e ame quem ele ama, mas também está cheio de raiva e querendo descontar isso naqueles que causam dor. E não está errado por isso; há quem olhe para o preconceito e queira combatê-lo com tolerância, mas aquele que olha para a intolerância e sente fúria dela, a meu ver, também tem razão.
"Se você usa Deus para dizer a pessoas criadas por Deus que são pecadoras por amar quem amam, então eu estendo meu dedo do meio para você e te convido a se sentar nele."
Por fim, Judy é uma bússola amigável entre os dois, e seus dilemas envolvem peso e beleza e aceitação. Ela é apaixonada por moda e por dar vida a estilos que ninguém pensaria em criar e se molda através de suas criações para esconder os temores à rejeição e ao modo como o mundo a vê.
Sua relação com Reza tem muito a ver sobre o medo dele de se assumir, e também traz conflitos importantes para o desenvolvimento do caráter dos três protagonistas. Que os faz repensar a vida e as mentiras que machucam e as verdades que libertam.
Suas histórias se combinam através dos protestos pelos ativistas da comunidade LGBTQ+, pelas vozes de milhares de pessoas oprimidas e esquecidas enquanto um vírus mortífero apagava sua existência do mundo como se fosse nada - enquanto autoridades não faziam nada. Elas se combinam também através do amor por Madonna, sua influência e presença e músicas que guiaram toda uma geração esquecida a ganhar voz. Suas histórias se combinam através de Stephen, tio de Judy e ativista gay que está lidando com a AIDS em seus estágios terminais da maneira mais forte e poderosa possível.
"Eu acho que essa é a primeira vez que cheguei perto de ser eu mesmo."
Stephen, com seus sorrisos e suas sessões de filmes antigos e seu coração grandioso disposto a abraçar aqueles que precisam sem nem saber. Um dos personagens mais queridos e adoráveis e dolorosos que já tive a alegria de conhecer em livros juvenis; um que eu gostaria de conhecer e conversar e prometer que o mundo vai ser um lugar melhor para quem ama. Que leva tempo, mas o amor prevalece.
Like a love story é uma mensagem de aceitação, um grito por direitos e respeito, um ode ao amor e à juventude. É um livro emocionante, inesquecível e com certeza uma leitura obrigatória na estante de todo mundo.
site: http://www.queriaestarlendo.com.br/2020/06/resenha-like-love-story.html