Fabio.Nunes 25/04/2024
Abre as portas para um bom debate
Utopia para realistas: como construir um mundo melhor - Rutger Bregman
Editora: Sextante, 2018.
Iniciei a leitura desse livro com uma certa desconfiança. ?Lá vem um branquelo, europeu, de chinelo havaianas, que nunca passou as reais dificuldades de um trabalhador de um um país pobre, falar de forma romântica sobre como solucionar os problemas do mundo.? Admito - julguei mal.
Este livro fala de uma utopia possível. Uma utopia que aponte fins, e não se furte de ser reavaliada a cada passo do caminho. Para tanto, o autor inicialmente nos adverte que vivemos na ?Terra da Abundância?, fazendo jus aos progressos materiais proporcionados pelo capitalismo, mas denunciando alguns dos vários problemas gerados por esse sistema produtivo (motivo pelo qual uma utopia é necessária).
?O credo moderno - ou pior, a crença em que não há mais nada em que se acreditar - impede-nos de enxergar a miopia e a injustiça que ainda nos cercam diariamente.?
?Mas a verdadeira crise do nosso tempo, da minha geração, não é não termos uma vida boa, ou mesmo que ela possa piorar mais tarde.?
(...)
?As melhores mentes da minha geração estão pensando em como fazer as pessoas clicarem em anúncios.?
E toda sua ideia de utopia para um mundo melhor é embasada em três pilares: renda básica universal (RBU), jornada semanal de trabalho de 15 horas e abertura total de fronteiras para mão-de-obra.
RENDA BÁSICA UNIVERSAL
O autor aqui apresenta estudos que comprovam que receber dinheiro grátis não torna as pessoas preguiçosas. E ainda ataca um elemento fundamental dessa crítica: a ideia de que a pobreza é fruto da preguiça e, portanto, um defeito moral, e não apenas falta de dinheiro.
?em qualquer lugar onde você encontra pobres você também encontra pessoas não pobres teorizando sobre a inferioridade e a disfunção cultural deles.?
Alega também que a RBU teria a vantagem de ser muito mais barata do que os atuais sistemas de assistência social e que é o melhor meio de atacar a desigualdade (tanto de oportunidades quanto de riqueza) e a pobreza. Sobre esta última o autor afirma que acreditamos na ?falácia de que a vida sem pobreza é um privilégio que só pode ser atingido com muito trabalho e não um direito que todos merecemos ter.?
O livro aborda também uma crítica ao Produto Interno Bruto (PIB), à maneira com que é elaborado e utilizado para tomada de decisões.
?O banqueiro que vende indiscriminadamente o máximo de hipotecas e derivativos para faturar milhões em bônus contribui mais para o PIB hoje do que uma escola repleta de professores ou uma fábrica de automóveis cheia de mecânicos. Vivemos num mundo em que parece ser regra corrente que quanto mais vital for a sua ocupação (limpar, amamentar, ensinar), menos você conta no PIB.?
JORNADA SEMANAL DE 15 HORAS
Aqui Bregman defende que há ganho em qualidade de vida com mais tempo livre para as pessoas. E ao tentar responder a pergunta ?o que a redução das horas de trabalho vai de fato resolver?? o autor nos apresenta outra: ?existe alguma coisa que trabalhar menos não vai resolver??
Estresse, mudanças climáticas, acidentes, desemprego, emancipação feminina, desigualdade e envelhecimento da população são pontos que seriam diretamente afetados com a redução de carga horária no trabalho.
?A alternativa é que, em algum momento neste século, possamos rejeitar o dogma de que é preciso trabalhar para viver. Quanto mais rica uma sociedade se torna, menos eficaz será o mercado de trabalho para distribuir prosperidade.?
Aborda também a preocupação com as inovações tecnológicas - mas sem demonização -, apresentando dados alarmantes para os próximos 20 anos quanto aos empregos. Informa que, pela primeira vez, a produtividade da humanidade está em nível recorde, a inovação nunca foi tão rápida e, mesmo assim, temos a renda média em queda e menos empregos.
?Se quisermos continuar recebendo os benefícios da tecnologia, nos restará apenas uma escolha, que é da redistribuição. Redistribuição em massa. Redistribuição de dinheiro (renda básica), de tempo (semana de trabalho mais curta), de impostos (sobre o capital, não sobre o trabalho) e, claro, de robôs.?
ABERTURA DE FRONTEIRAS
No capitalismo de hoje o mundo está aberto para tudo, menos para pessoas. O autor afirma que abrir as fronteiras para a mão de obra ? não apenas para bens, serviços e mão de obra altamente qualificada - aumentaria muito mais a riqueza mundial (e apresenta dados que corroboram sua narrativa).
O problema aqui é que ele não cita nem ataca o maior problema com relação às fronteiras: as ideologias nacionalistas.
Em resumo, este é um livro que pode causar estranhamento inicial, mas que é conduzido numa linguagem muito acessível. Ainda que possa gerar objeções, o objetivo do autor aqui é bastante claro: abrir as portas para o debate. E só por isso esta é uma leitura que recomendo.
?Uma jornada de trabalho semanal de 15 horas, uma renda básica universal e um mundo sem fronteiras... São todos os sonhos malucos - mas até quando??