As bambas do samba

As bambas do samba Marilda Santanna




Resenhas - As bambas do samba


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Roseane 08/11/2018

Mulheres Bambas
Antes de comecar a falar do livro tenho que ressaltar a ausência de duas sambistas: Jovelina Pérola Negra e Leci Brandão. Não desmereco de forma alguma o trabalho, mas eu como mulher negra e sambista me senti órfão pela ausência desses dois ícones.

O livro é uma coletânea de textos organizados por Marilda Santana. A iniciativa espetacular de dar visibilidade e voz ao protagonismo da mulher negra no Samba me comoveu. Não somos apenas requebros, cozinheiras e enfeite, somo voz, composição, autoria, direção, instrumentistas, empresária, empreendedoras…

O livro é separado por capítulos e cada um conta um pouco sobre uma sambista.

A parte I une mulheres negras retintas do reconcavo Bahiano, as autoras falam com maestria da vida de mulheres negras nascida no período pós escravidão negra e elas tem em comum o trabalho infantil (pelo amor de Deus NÃO ROMATIZEM ISSO, trabalho infantil é exploração de um sistema escravagista e capitalista, nenhuma criança deveria ir para beira do Rio lavar roupa de mulher branca para ajudar a por comida no prato dos irmãos). Dificuldade financeira, fome, humilhação, falta de acesso a educação formal, seca, abandono, preterimento. A “Bahia para inglês ver” do tempo Carlista, vendia uma cultura de negros sem negros, a falácia da democracia racial nos mantinha em cativeiro. O samba de roda que é criação da mulher negra essa cultura servia de acalanto para enfrentar tantas dores e dificuldades. A forma de dancar em círculo , a organização de cada um ter sua vez no centro destacando que o protagonismo é para todos (homens, mulheres, crianças, casados, solteiros...), a chance de falar em suas letras das suas dores e alegria. A música e a dança eram companheira dessas mulheres em suas comunidades principalmente no momento do trabalho como as Mulheres Quilombolas de Tijuaçu e Samba de lata. Era pra aquecer o coracao. Não era amadorismo, não era simples improvisação como tentam colocar toda a criação do negro, como se fossemos simples infantes com inspirações momentâneas. Não!!! As letras saiam do coração, eram pensadas e refletiam o cotidiano árduo, as alegrias e as mazelas. O racismo esta presente em toda a trajetória dessas senhoras , desde a infância. O trabalho com o Samba foi desacreditado e quase sucumbe por falta de valorização de quem desqualifica toda a criação artística da população negra. A quem diga que Carolina Maria de Jesus não é escritora. Desses textos a curiosidade ferveu dentro de mim e assisti a vários documentários, li outros textos, enfim a minha sede pra saber mais sobre essas mulheres só aumentou. Dona Dalva de Cachoeira, Doutora Honoris Causa pela Universidade Federal do Recôncavo da Bahia é a coisa mais linda que existe nesse mundo, corram pra Cachoeira e tenham um dedo de prosa com essa griot.



Parte II do Livro

Primeiro eu gostaria de destacar que fiquei maravilhada com o trabalho de Juliana Ribeiro, a quem sempre fui fã e agora multipliquei meu amor. Juliana fala da trajetória de Clementinha de Jesus, nossa Rainha Quelé. Mulher negra, retinta, Quilombola, com voz e estilo incomparáveis porém foi negligenciada e tem o “inicio” de sua carreira aos 62 anos de idade. Quelé canta desde a infância, mas só teve reconhecimento já na terceira idade. Clementina nasceu em 07 de Fevereiro de 1901, Juliana deixa um questionamento em seu texto: “Porque uma carreira tao bela, própria e consistente, era tão desconhecida do grade público? Eu ouso responder: o grande publico é RACISTA. Não podemos mais camuflar os crimes da branquitude. Fiquei mega entusiasmada para saber mais de Quelé, assisti a alguns videos no youtube, ela com 70 anos, puxando as músicas na memória, uma simpatia sem igual. Uma voz como a da Quelé sem o racismo teria mudado toda a trajetoria da sua vida.

O texto sobre Dona Ivone Lara é escrito por Fabiana Cozza, não e um texto acadêmico como o livro tem sido até o momento, é o relato de uma grande fã que teve oportunidade de gravar uma música com a Deusa, e depois de alguns anos tiveram alguns encontros musicais. Senti falta de saber mais da voz e da vida de Dona Ivone, grande ícone na luta pela Humanização do tratamento manicomial mas que ficou as sombras de uma médica branca.

Na parte seguinte a Marilda Santana fala do ABC do samba: Alcine, Bete Carvalho e Clara Nunes. Alcione , professora primária parte do Maranhão para o Rio de janeiro em 1968 passa a trabalhar em uma loja de discos e passa a compor o elenco musical das maiores e melhores boates do Rio de Janeiro. A autora faz uma descrição cronológica da discografia. Um dado que pra mim é muito importante, Alcione era enganjada nos projetos sociais da Mangueira. Mulher preta sempre por nós, valeu Marrom.

Bete Carvalho, mulher Branca privilegiada, nascida e criada em ipanema, frequentava os apartamentos da zona sul para cantar o “adocicado” samba estilo bossa nova, vencedora de concursos, vendeu muitos discos, se lança nos subúrbios cariocas e com sua pele clara é acolhida com louvor, recebe o título de Madrinha do Samba (???) , na verdade eu sei e voces tambem sabem. Em entrevista diz que samba tem que ter “humor, tem que ter forma popular de falar mas com poesia e sofrimeto”. Não é falado nada em relação a luta antiracista da artista, luta pelos desprivilegiado, desigualdade social…madrinha.

Clara Nunes vai para o Rio morar no apartamento do Carlos Imperial. O samba foi a oportunidade. O samba recebeu essa cantora de pele clara de braços abertos. Segundo o livro ela era indecisa não sabia que estilo musical adotar então flertava com boleros, baladas, participação em filmes da jovem guarda. Consegue estréias ao lado deícones como Vinicius e Toquinho. Colecionando privilégios passa a ser conhecida e soma parcerias com os mais famosos da época. Passa pela Mangueira onde é tratada com indiferença e então é apresentada a Portela que a recebe debraços abertos. Se apropria da tradição afro brasileira de tal forma que a autora do livro relata que a mesma encrespa o cabelo com permanente, adota no visual com guias, turbantes e roupas brancas. É indecisa na religiosidade passando por igreja catolica, centro Kardecista, ubanda, consulta regulares com vários babalorixá que falaram que ela era de Oxum com Xangô, depois outro disse que ela era de Ogun com Iansa. A autora relata que a mesma era obcedada por fenômenos sobrenaturais era dependente de consultas prévias de búzios, cartomantes antes de tomar decisões pessoais e profissionais, era insegura com o sucesso. Não sei pra voces mas pra mim parece uma mulher voluntariosa que pediria recontagem de votos caso fosse candidata a algo e perdesse.



Terceira e última parte do livro fala de Carmem Miranda: Gente desculpa mas não tenho nada a dizer dessa portuguesa branca que exagerava nos gestos, viveu o processo eugenista do Brasil, era preterida nos Estados unidos por não ser uma Blonde girl.

Elza Sorares e descrita por Regina Machado, assim como Clementina de Jesus tem uma voz incomparável a autora descreve com maestria os alcances dessa voz, fala da vida dessa mulher que passou por tudo e encarava tudo mesmo com medo, cantava a dor, o precoceito, a pobreza e a superação. Elza Soares é exemplo de mulher negra, e de um talento uma capacidade vocal que não se esgota.

O livro termina falando de Martinália, mulher preta poderosa, filha do nosso glorioso Martinho da Vila. A autora foi muito feliz na sua pesquisa. Martinália canta, compõe e toca quase toda a família percussiva, relata que seu pai é sua maior referência mas que não tinha muita e da importância do trabalho do pai no cenário musical brasileiro. Não é sua culpa Martinália, o racismo não dorme quando a missão é o apagamento do talento de uma pessoa negra, mas seu pai enfrentou. Todos vamos enfrentar. Ninguém solta a mao de ninguém.
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