Resenhas - Sobre Isto

Daniel 19/01/2019

A obra-prima de Maiakóvski ou O amor como um crime perdoável
Escrito entre fins de 1922 e o início de 1923, Sobre Isto é considerado pela crítica (e pelo próprio poeta) a obra prima de Maiakovski. Tendo como tema principal o amor e dedicado a Lilia Brik, a grande musa do "Poeta da Revolução", de quem ele se encontrava separado após uma briga, este poema até então inédito no Brasil foi publicado há poucos meses pela Editora 34, com tradução primorosa de Letícia Mei e fotomontagens originais de Alexandr Rodchenko.
O título "Sobre Isto" faz referência a uma passagem de Crime e Castigo, onde o protagonista Raskholnikov refere-se ao seu crime (um assassinato) como "isto". Sendo assim, em Sobre Isto o amor também surge como um crime, como um tema ou sentimento proibido cujo destino é ao mesmo tempo fascinante e doloroso.
No poema, é perceptível toda a força poética da lírica de Maiakóvski, elevada aqui à máxima potência. Mais do que um poema sobre o amor, trata-se de um poema sobre a solidão, o abandono. As imagens incríveis e extremamente bem construídas do eu-lírico vagando pelas ruas de Moscou e São Petersburgo, onde se confronta com o seu Duplo numa ponte sobre o rio Neva, imprimem no leitor uma sensação intensa e pungente de solidão. Além disso, essas mesmas imagens parecem remeter ao clássico tema do homem vagando pelas ruas à noite, tão presente na obra de Dostoiévski, o que demonstra a influência da literatura da Era de Ouro sobre Maiakovski, apesar deste, como poeta vanguardista, oficialmente renegá-la.
Desmistificado, mas nem por isso menos poético ou desvalorizado, o tema do amor é tratado de uma forma pouco convencional, vanguardista, conforme perceptível ao final do poema, quando o eu-lírico se vê junto à sua amada ressuscitado num futuro distante, onde amor já não é mais uma mercadoria egoísta, fruto do individualismo burguês, mas um sentimento profundo, solidário e verdadeiro.

Carol 06/07/2021

Impressões da Carol
Livro: Sobre isto {1923}
Autor: Vladímir Maiakóvski {Geórgia, 1893-1930}
Tradução: Letícia Mei
Editora 34
240p.

"Neste tema,
pessoal
e banal,
cantado não uma vez
mas cinco,
como um poeta esquilo girei em espiral
e vou girar com mais afinco. " p.15

Na primeira estrofe do longo poema "Sobre isto", Maiakóvski, sem nomear o amor, o define: 'é pessoal, banal, cantado inúmeras vezes, com linguagem desgastada, mas que nunca se consome'. Assim, é preciso revolucioná-lo, o amor precisa de uma nova abordagem.

O poeta compõe "Sobre isto" entre 28 de dezembro de 1922 e fevereiro de 1923, nos dois meses em que ficou separado de sua amada e musa Lília Brik. O poema é composto por um prólogo 'Sobre isto - Sobre o quê?'; o capítulo 'Balada da Prisão de Reading', o capítulo 'A noite de Natal' e um epílogo 'Petição a...'

O título "Sobre isto" é uma referência à expressão repetida por Raskólnikov, em Crime e Castigo, de Dostoiévski e suscita uma chave de leitura intrigante ao relacionar o amor ao crime. O amor, o crime, o suicídio, a sociedade de seu tempo, a missão do poeta e da arte são temas abordados por Maiakóvski em seu último longo poema dedicado ao amor.

Ele se utiliza de aliterações, repetições, rimas que ecoam dentro dos versos e de uma estrutura temporal complexa, de idas e vindas no tempo, para narrar o percurso do eu-lírico.? O poeta era fascinado pela Teoria da Relatividade, de Einsten, como também, era fascinado pela tradição literária, dessa forma, ecos de Gógol, Púchkin, Lérmontov, Oscar Wilde e Goethe ressoam por todo o poema.

Esta edição da @editora34 é preciosa, cheia de notas de apoio, ilustrada por Aleksandr Ródtchenko, traz a premiada tradução de Letícia Mei, como também as cartas e os bilhetes trocados entre Maiakóvski e Lília Brik. Recomendo com afinco.

Antes, eu considerava "Carta a D", do filósofo austro-francês Andre Gorz, a maior declaração de amor na literatura. Depois de "Sobre isto", este posto fica com o poeta russo, de 1,89m, falso careca e carinha de mau, Vladímir Maiakóvski.

Ana Aymoré 24/02/2019

O amor pelas lentes do poeta da revolução
Entre os muitos bons (re)lançamentos de livros literários no ano passado, foi impossível para mim resistir à nova tradução de Letícia Mei (trabalho premiado recentemente pela APCA, e primeira tradução completa no Brasil) para o longo poema de Maiakóvski, Sobre isto.
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Escrito pelo "poeta da revolução" como resultado da separação de Lilia Brik, compõe, junto com os bilhetes e as cartas que também se encontram nesse volume da 34, o inventário da angústia pela perda da pessoa amada. Relacionando-se intertextualmente com Crime e castigo de Dostoiévski (onde Raskolnikov diz "sobre isto" para se referir a seu crime), remete à interdição, no contexto da revolução russa, e para um poeta engajado, de tratar de um tema individualista e "burguês" como o amor. E, de fato, ao longo dos versos, a ambiguidade e esfacelamento do poeta (incluindo suas incessantes metamorfoses) expressa a oscilação entre um ideal utópico comunista e a vida burguesa. Nesse sentido, o amor romântico é, ao mesmo tempo, o alvo da crítica e o mote para a defesa da liberdade de criação poética - também algo que, em seu íntimo, o poeta não consegue superar. A possessividade e os ciúmes de Maiakóvski eram, como sabemos, os maiores motivos dos conflitos amorosos com Lilia, e daí a transformação do amor em sua sombra nefasta - o suicídio ou o assassinato - perpassar, evocando a balada de Reading de Wilde, todo o poema.
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Daí a necessidade de, no belíssimo desfecho - quando o amor finalmente ousa nomear-se - projetar, num tempo futuro, a realização da utopia plena, que é simultaneamente a realização do amor e do "homem novo" do comunismo: "Ressuscite-me/ nem que seja/ porque/ sou poeta/ e te esperava,/ recusando o absurdo usual./Ressuscite-me/ que seja só por isto!/ Ressuscite-me -/quero viver a vida até o final!/ Para que o amor não seja escravo/ de casamento,/ luxúria,/ pão./ [...] Para que/ ao primeiro grito:/ - Camarada! -/ a terra atenda num giro./ Para não/ viver pelos buracos da morada./ Para que/ a família/ seja,/ após essa era que se encerra,/ o pai,/ no mínimo o mundo,/ a mãe - no mínimo a terra."