Coruja 13/04/2011Faz quase um ano que li este livro na verdade, ele foi o primeiro que li no meu projeto Mestres da Fantasia antes de Tolkien. Comecei a escrever a resenha logo depois, que já ia em bem quatro páginas, a caminho de se transformar em um tratado sobre Fantasia (mas um...) quando o computador surtou, perdi tudo o que tinha escrito e, de forma geral, me deixou fula da vida.
Desde então, por um motivo ou por outro, vinha adiando escrever essa resenha. Mas uma hora, se quisesse botar o projeto para frente, precisava fazê-lo, não é mesmo?
O livro foi publicado em 1908 e como aliás todos os outros que resenhei desde que comecei esta aventura já caiu em domínio público. Por isso, não é difícil encontrá-lo para baixar, desde que seja em inglês, inclusive no Project Gutenberg. Curiosamente, encontrei uma edição dele das antigas (acho que mais velho que meu avô) no Estante Virtual, chamada A Casa sobre o Abismo.
Mais recentemente, houve uma adaptação em quadrinhos, na qual a tradução do título ficou como A Casa do Fim do Mundo e é prefaciada por ninguém menos que Alan Moore.
Agora, bem... se fosse para escolher uma única palavra para definir esse livro, eu usaria... bizarro. A idéia é bizarra, a forma de contar é bizarra, os personagens são bizarros em especial o narrador, com suas visões metafísicas que alcançar até o fim do universo. Mas, vejam bem: aqui, quando digo bizarro, estou querendo dizer que Hodgson produziu algo ímpar, diferente, surpreendente. Não à toa, Lovecraft o tinha como uma de suas principais referências.
A história começa com dois camaradas ingleses Tonnison e Berreggnog (que raio de nome é esse??) que decidem tirar um feriado na Irlanda para pescar. Aí eles saem andando para cima e para baixo pela vila de Kraighten, decidem acampar no meio do mato... e acabam por se deparar com uma casa em ruínas, onde encontram um estranho manuscrito com partes inteligíveis e páginas rasgadas.
O manuscrito foi escrito pelo antigo dono da casa, o qual conheceremos como o Recluso, que vive (ou vivia) com a irmã solteirona Mary e Pepper, seu cão.
Nosso amigo recluso começa o diário contando sobre como veio a morar na casa sobre o abismo (ela é, literalmente, construída sobre o abismo, como o recluso descobrirá após fazer um buraco no porão...) e como coisas estranhas começaram a acontecer após ele ter um sonho/visão em que é levado para uma vasta planície, cercada de montanhas, e povoado de todo tipo de criatura bestial que se possa imaginar (ou não, pelo bem de nossas sanidades).
Exatamente no centro dessa paisagem de pesadelo há uma casa, em quase tudo idêntica a dele mesmo, cercada de criaturas que parecem ser uma cruza entre humanos e porcos.
Após essa visão, ele tem a excelente idéia de explorar os arredores da casa, incluindo o abismo, aonde vai se deparar com, adivinhem, adivinhem? As criaturas humanóide-suínas.
Vamos concordar que explorar um abismo sob uma casa de mais de duzentos anos de idade com fama de amaldiçoada, reputada ter sido construída pelo próprio diabo não foi das melhores idéias do Recluso. Tampouco, a de comprar a casa e ir morar nela num lugar onde não existe vivalma, por mais que a mesma fosse uma pechincha.
Afinal, qual era a promoção do dia? Leve a casa quase de graça e tenha sua própria linha de demônios amaldiçoados para te assombrar?
Pesquisei um pouco sobre o livro e encontrei algumas teorias interessantes. De forma geral, parece que a casa do Recluso estava de alguma forma ligada a outro plano ou dimensão, através daquela charmosa casa cercada de deuses bestiais. O que o Recluso experimenta na casa seria, na verdade, um reflexo do que acontece nessa outra dimensão.
De alguma forma, essa idéia me faz lembrar do ciclo de mitos de Cthulhu. Talvez tenha sido saí que surgiu a idéia do Lovecraft.
A bem da verdade, ao logo de toda narração, é um pouco difícil perceber onde está a realidade. Por tudo o que Tonnison e Berreggnog sabem, o Recluso poderia ser apenas um louco. O tempo inteiro, você não tem certeza se deve confiar nos sentidos e na sanidade do narrador, e isso torna tudo ambíguo, com um horror apenas sugerido, logo após a superfície.
E, exatamente por isso, pela forma como não sabemos exatamente o que é real e o que não é, A Casa sobre o Abismo se torna perturbador e verdadeiramente angustiante.
Nunca consegui explicar totalmente a sensação que tive ao final do livro... a de saber que havia perguntas que o autor deixara sem resposta e não ousar pensar com muita atenção em quais poderiam ser essas respostas.
Afinal, nunca se sabe o que pode vir rastejando para fora quando olhamos para o abismo...