douglaseralldo 20/02/2019
10 CONSIDERAÇÕES SOBRE A PELE, DE CURZIO MALAPARTE, OU SOBRE OS HORRORES DOS HOMENS E DAS GUERRAS
1 - Antes de mais nada, vale dizer que a leitura de A Pele pede - e demanda - leituras não panfletárias, pois que no centro de tantas polêmicas que podem suscitar obra e autor, é todavia sobre a arte de que se trata tudo isso, e por isso, aqui importa-nos as muitas vezes conflitantes e contraditórias nuances de uma narrativa primorosa, mas que exige do leitor não só desprendimento - e total liberdade de fanatismos - mas muitas vezes estômago para aguentar a imagem da guerra em todos os seus horrores. Nesse sentido, vale dizer que já temos a resposta para a provocação do Coronel Jack Hamilton no interior do romance "não há qualquer importância se o que Malaparte conta é verdadeiro ou falso. A questão a ser posta é bem outra: se o que ele faz é arte ou não". É sobre essa obra de arte da literatura que trataremos nesta publicação;
2 - Antes de tudo, é preciso dizer que a obra de Malaparte enquanto perspectiva dos gêneros literários encontra-se numa posição bastante peculiar, quanto original. Ela joga com as fronteiras da autoficção e do romance para produzir algo único. Isso fica demonstrado mesmo internamente no romance, reunindo aí a ironia e o seu cinismo de observar o mundo; quando provocado da veracidade de suas estórias por um grupo de militares em acampamento, aproveita o momento para debochar dos mesmos fazendo-os crer ter ele comido uma mão humana sob o testemunho e espanto de todos. Esta é a resposta à "provocação" de Hamilton e norte importante para análises do pungente romance. Mas retomando as fronteiras dos gêneros e a estrutura de sua estética, há diferentes elementos a construir tais debates, a começar pelo fato de que aqui autor e narrador são as mesmas pessoas, Curzio Malaparte, este, entretanto, pseudônimo de Kurt Erick Sückert. Tudo isso evoca em muitas interpretações os retratos de guerra, a autobiografia, contudo, estas rompidas às vezes, no caso de A Pele, até mesmo com o exagero do insólito ou o flerte com o fantástico como quando do diálogo de Malaparte com os fetos;
3 - A narrativa de A Pele desenvolve-se a partir de 1943 e acompanha os momentos finais da guerra, da Segunda Guerra, ambientado especialmente em Nápoles, que em determinado momento testemunhará a atividade do Vesúvio, e ainda uma marcha até Roma. São estes estertores com a chegada dos "vencedores" e a "libertação" da Europa do nazismo e do fascismos que serão retratados pela estética da arte, e com todo poder de ressignificação e releitura que a arte nos proporciona. É o que faz Malaparte, e como aprendemos com Jack Hamilton, a veracidade dos muitas vezes insólitos acontecimentos descritos pelo autor, é o impacto que estas cenas, mesmo quando pinceladas pelo insólito, nos surgem tão realistas e sufocantes que não há como não sentirmos a leitura. A narrativa de Malaparte tem efeito sobre aquele que lê, e não sendo este leitor um sociopata qualquer, não há como não impactar-se com o desencanto e a melancolia extravasada pelo cinismo e sarcasmo do autor ao quebrar qualquer encantamento bélico. No fundo é uma das poucas narrativas a quebrar qualquer percepção positiva da guerra;
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