Pensamento Dança

Pensamento Dança Igor Fagundes




Resenhas - Pensamento Dança


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Krishnamurti 17/11/2018

Pensamento dança
E de repente me vejo em um fim de noite assistindo televisão, e tomando uma taça de vinho. Na TV a esplêndida notícia de que o tal telescópio Hubble avistou a galáxia mais distante já encontrada no universo e que ela se parece com uma massa brilhante de estrelas azuis a cerca de 13,1 bilhões de anos-luz da Terra. Os cientistas cogitam de lá encontrar vida extraterrestre. Fiquei pensando naquilo ao tempo em que minha mente recordava alternadamente da imagem de uma moça linda que gravou um vídeo aqui na internet, não sei bem ao certo onde. Ela aparece por uns poucos segundos, olha para a câmara, e quando se pensa que nada vai acontecer, simplesmente dá uma piscadinha de olho e um sorriso discreto com o canto da boca. E isto remete aos versos impresso na tela do vídeo: “Somos todos bichos. Bichos celestes. / Anjos escrevendo poemas no céu da boca uns dos outros..." Nesse ínterim comecei a ter meu “pensamento dançando” entre os céus da galáxia mais distante da nossa, na lua, na moça, no sol, na galáxia, no vinho, no sorriso, em Marte, na piscada de olho, em mais algumas taças de vinho, na galáxia e... que inferno meu Deus essa distância terrível que deve ser 13,1 bilhões de anos-luz da terra! Tudo isto, devo dizer, após a leitura de “Pensamento dança”, livro de poemas do senhor Igor Fagundes. Obra interessantíssima que propõe tantas outras coisas boas. À resenha, que ninguém quer lá saber de galáxia nenhuma, embora se gaste bilhões e bilhões de dólares nisso e não sejamos capazes de olhar um palmo para dentro de nós mesmos. A resenha ôhh animal, talvez alguns queiram ler!
Dos 99 poemas que compõem “Pensamento dança” do senhor Igor Fagundes, 72 são inéditos e 27 foram originalmente publicados nos livros anteriores do autor. Daí a divisão da obra em dois blocos a saber: “Estreia” e “Reestreia”. Precedidos por um texto em prosa poética a que o autor deu o título de “Quase ensaio, não fosse a prosa de um poema”. É texto de apenas três parágrafos do qual reproduzimos o segundo:
“Se os filósofos por tanto tempo odiaram (ainda odeiam?) o corpo, perderam no pensar seu nascedouro. Odiaram na palavra a lavra de uma lira. E a filosofia enganou-se ao roubar da escrita coração e nervos, pressão arterial, a acidez gástrica dos termos. E o corpo se enganou ao ver-se gesso enquanto texto. Por não ver, tecida em letra, a veia dilatada, o sangue espesso. Deixar que arda em críticas de dança a escoliose das metáforas, a esclerose dos conceitos. Reter nalgum corpus teórico, saberes protéicos, impasses com sebo. E lubrificar nesse óleo a anatomia do lógico, fossem os lingüísticos códigos um esqueleto de repente a dançar sobre uma página convertida em linóleo. Eis o propósito: articular dança não como objeto, mas espectro de todo e em todo verbo. Ensaiar esse sexo: entre o teórico e o poético, no coreográfico de uma prosa nestas linhas trepadas no verso” Está claro o objetivo primordial de uma tal obra que se intitula “Pensamento dança”.
Mas o homem de nosso tempo não está acostumado a pensar fora dos caducos padrões de um cartesianismo estéril. Socorramo-nos numa chave larga de tempo de um Friedrich Nietzsche (1844 – 1900), com seus pensamentos usados como epígrafe ao livro: “Dançar em todas as suas formas: o saber dançar com os pés, com os conceitos, com as palavras. Ainda tenho de dizer que também é preciso saber dançar com a pena – que é preciso aprender a escrever? Aprenda a pensar (...) – que o pensamento tem de ser aprendido como tem de ser aprendido o dançar. Meu estilo é uma dança.”
E Alberto Pucheu, um poeta/crítico agora em nossos dias a infernizar e revolucionar conceitos estabelecidos, sublevando significantes, insurgindo-se contra paradimas, inquietando ao propor novas visadas, desordenando o que se pretendeu ordenar excessivamente. Igor Fagundes surrupiou pensamentos de Pucheu que vêm corroborar o seu, e ouso dizer, o de Nietzsche também. Está no livro. “O artista deve lutar por um pensamento teórico que possua as mesmas ousadias que as suas. O artista deve lutar por um pensamento teórico que não apenas requeira o novo, mas que o realize em sua própria prática (...) Acatando o poético do pensamento (...) e fazendo com que filosofia e literatura, teoria e criação tenham suas fronteiras desguarnecidas...” Aquilo a que chamei acima de cartesianismo estéril de nosso tempo. Mas se assim se pode dizer, houve uma gênese de uma tal concepção na cosmovisão do autor. Em seu livro “Por uma gênese do horizonte” que é obra de 2006, temos um poema como “Moça de rua”, onde se insinua ao lado de uma forte inclinação à metapoesia (e que o autor preservou e ampliou nesse novo “Pensamento dança”), a ideia de “abalar o fértil de gozar mais de um sentido”.

Poema: “Moça de rua”
“Vá / palavra / cúmplice da noite / caminhar com malandros prostitutas / se despir no cabaré sem ser mucama
Vá / palavra / deitar-se à cama de quem transa / chamar mais outra para a orgia / trocar de posição com quem entranha
Vá / palavra / gemer o som jamais escrito / lembrar que além de grito e sexo / é verso ao se calar subentendido
Vá / palavra / cobrar do par preservativos / contra qualquer adjetivo em excesso / abale o fértil de gozar mais de um sentido
Vá / palavra / retire as línguas do marasmo / torne santo o ritual desse pecado / de afogar cada poeta em seu orgasmo”

Na obra “Zero ponto zero” que é do ano de 2010, encontramos no poema “A pergunta”, questões que nos levam a refletir sobre nossa época e a falta de sentido em que nos encontramos.
... “O que esperar da vida: uma época ou história / medida pela causa e o efeito dos destinos / como se os dias fossem puro ardor da lógica / enquanto as noites desafiam o esclarecido // O que esperar da vida: uma ética vendida / às equações do bolo, a compra de terrenos / em bocas, beijos, glúteos, gulas por vagina / e coca-cola, e cocaína se houver tempo” e mais adiante a estrofe ... “O que esperar da vida: o sim e o seu avesso / um erro como acerto, o incerto da procura, / o livre-arbítrio do que enruga nos espelhos / e o precipício dos sorrisos em loucura.
E finalmente, no poema “Manual” do mesmo livro de 2010, uma estrofe muito interessante que insinua a franca exortação que agora nos chega em “Pensamento dança”.
“... Depois tire os sapatos, imagine / pisar com os pés descalços solo fértil / talvez a rima aqui lhe soe um tique / nervoso, quando quer, em suma, o inverso: / o sumo da harmonia do que existe / os sons bem compassados do universo / decerto que em palavra ecoa um ritmo / convido a cantá-la no reverso”.

Marcos Vinicius Quiroga no Prefácio à obra identifica o tema da dança como matéria para analogias poéticas. Investiguemos sem cientificismo, porque merece detida atenção. Estão presentes outras temáticas como os ricos diálogos com outros poetas como Drummond, Pessoa e Manoel de Barros, e também o velho e eterno tema do amor. Observamos em certos poemas um vasto conhecimento teórico e filosófico complementados pela refinada linguagem literária do autor. Perceba-se a propósito a referencialidade na mitologia grega. O Igor intelectual crítico ora surge como Dionísio o deus grego que se representa como o protetor dos que não pertencem à sociedade convencional e (veja-se os poemas de cunho social como, são “Quilombola”, “Chamo todas as falanges”, “Samba para os três poderes” e “Março”, em que se fala em Marielle Franco, (será que vamos esquecer? Pergunto eu) ou, simbolizando tudo o que é caótico, perigoso e inesperado, inclusive com a erotização de alguns versos, ou ainda aquilo que escapa da razão humana. Ou o poeta segue aqui e ali encarnando Apolo o deus da divina distância, que ameaçava ou protegia desde o alto dos céus, sendo identificado como o sol e a luz da verdade a fazer os homens conscientes de realidades outras.
Entretanto, “os compassados sons do universo”, retornam com força. Observe-se o que nos diz o poeta nessas estrofes do poema “Biografia”.
“Por sete anos, eu calei meu verso / para espremer poesia de outras faces: / fazer brotar, talvez na ciência a arte / foi sempre meu teórico projeto // O caos na víscera do artista escapa / ao tratadístico das teses gélidas: / o excesso de ordem cerra em cemitério / o corpo-terremoto da palavra” e eis que “cruzou-me a dança como um novo método / de desdizer o que se diz em verbo”, e muito cônscio o poeta finaliza. Para que “fosse o poema a dança oculta de uma fala / por baixo do silêncio, acima dos murmúrios / de um pássaro a voar além do que traduzo”.
Dois poemas parecem sintetizar a proposta de Igor Fagundes de voltarmo-nos para dentro de nosso universo interior onde mora a verdadeira vida. Deixamos transcritos para que soem ao leitor como doce e irresistível melodia que nos convida a dançar:

Poema “Tempo-ritmo”
.
“dançar: cumprir o rito iniciático / do tempo turvo inscrito no organismo / pudesse retirar do suco gástrico / o que no corpo é o digerido ritmo / dos dias na garganta atravessados

não só dos órgãos flui todo o sentido: / no tirocínio da existência nasce / um andamento errático no íntimo / a murmurar alcoólicos compassos / jamais marcados por relógios, sinos

mas por pulsares de um sanguíneo espírito / vazando o na memória coagulado / às vezes ensurdece até o ouvido / mover nas mãos o grito de seus calos / ditando ao punho um sincopado ritmo

É no intervalo do ainda não movido / é no interstício do que, vindo, escapa / que um passo se engravida do invisível / até seu parto coreografável / em pacto com as pausas do infinito

As ampulhetas ficam logo em brasas / no instante em transe, em vácuo suspendido / para um respiro na alegria trágica / de um corpo-flauta, agora violino / bebendo em dança o porre de uma lágrima”


Poema “Escuta”

Não basta a música do mundo afora / para que a dança apanhe a pele em flora: / por dentro o corpo entoa errante nota / e traz pinturas cuja sombra borra / o som das luzes que o silêncio forja

Escuta na medula óssea a ópera / da tua ventura e na coluna acorda / a partitura: a escoliose histórica / pois Deus te move ao certo em danças tortas / mas um balé secreto em ti discorda

e cobra de teu gesto a exata forma / onde o mistério se concentre em tocha / ardente na epiderme e que desloca / o escuro dos porões ao sol de um sótão / por sobre a mão que acolhe a dança cósmica

A notação do movimento escora-se / num tempo que nos fala pelas costas / e, à frente, só sem face é que se mostra / ainda que no barro esculpa a nossa / e morda o rabo o que no agora é cobra

Não basta ouvir as músicas por fora: / no teu veneno interno tu te provas / até que a dança enrosque-te na sobra / de infernos que se encravam sob a sola / dos pés na escarpa e sobre a tua cólera”.


A música como expressão da alma representa a voz da vida que quer exteriorizar-se por inteiro. Eficácia para tal não lhe falta, possui o dom supremo do movimento em que exprime o tornar-se da própria vida. Música/movimento/dança. Encontramo-nos em momento delicado. Se por um lado há tanta dor e desnorteio no mundo, por outro, sente-se um poderoso anseio de evolver. É tempo de transpor o ciclo restrito das baixas paixões de fundo animal, lançarmo-nos num vórtice de paixões mais elevadas e dinâmicas. Há quem já perceba que o porvir está no continuar e tornar cada vez mais ampla a estrutura sinfônica de nosso pensar e em conduzir sempre a novos sentimentos nossas potencialidades descritivas. Isto quer dizer purificá-los e espiritualizá-los para que possamos afinal ouvir os “sons bem compassados do universo”. Fazendo uma comparação metafórica; abandonar a simples sucessão dos sons da música melódica visando uma fase superior, em que se conquiste espaço e volume. Dilatemos extensão e profundidade de conceitos e sentimentos, passemos afinal da expressão de paixões elementares, às que são dadas por sensibilidades mais complexas. Mas não se perca de vista o que afirmou Samuel Butler (1835-1902): “A vida é como a música. Deve ser composta de ouvido, com sensibilidade e intuição, nunca por normas rígidas”.

Livro: “Pensamento dança” – Poesias de Igor Fagundes – Editora Penalux, Guaratinguetá - SP, 2018, 194 p.
ISBN 978-85-5833 – 424 – 2
Link para compra e pronto envio: http://editorapenalux.com.br/loja/pensamento-danca
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