Lah 16/02/2023
Breve História da Arte: uma modesta apreciação
[RESENHA] ? Não objetivo perpetrar uma análise crítica detida sobre o caráter eurocêntrico que atravessa a noção, a produção e a história das artes, da pré-história ao nosso tempo... Na história geral das Artes, falta ecoar com mais força uma contra-história que resgate uma tradição artística na perspectiva da classe trabalhadora, feminina e latinoamericana - expoente do Realismo Mágico, é emblemático que Frida Kahlo fora uma dentre as três mulheres artistas mencionadas no livro de Susie Hodge e a única latinoamericana-, e que trate as Artes sob o prisma da totalidade concreta (diga-se, que a apreenda como expressão da superestrutura do capital, reconheça que seus termos são delineados pela hegemonia e as implicações da relação entre o papel que cumpre a América Latina na divisão internacional do trabalho, econômica de dependência qaos países centrais, as condições objetivas de a classe-que-vive-do-trabalho gozar da riqueza humana imaterial, do capital cultural, enfim)
? Sabe-se que, a despeito de a classe dominante dispor tbm os meios de produção espiritual - e é nesta órbita que a arte se situa - há fissuras no poder instituído induzidas pela presença insistente da crítica, resistência e insurreição das camadas populares, presença que se evidencia quando suas expressões artísticas logram projeção internacional. Sobre isto não me deterei !
? Exuberante e primoroso como se espera de um Livro sobre as Artes. De conteúdo conciso, cujo fim é fornecer noções sobre os principais movimentos artísticos, obras, temas e técnicas.
? Principia com uma abordagem aos 36 principais movimentos - estilos de arte produzidos em dado período histórico por artistas que partilham ideias, métodos, técnicas e abordagens artísticas e que rompem tradições, bem como exercem e reagem á influências doutros movimentos -, da arte pré-histórica á arte conceitual.
? Ulteriormente, faz uma sucinta análise das obras de maior destaque produzidas na história, contextualizando-as e desvelando seus elementos simbólicos subjacentes e imperceptíveis ao espectador comum: incauto ou não versado no complexo universo das artes.
? Por fim, aborda as Artes do ponto de vista dos múltiplos temas, técnicas e métodos.
? De modo geral, trata-se de uma boa obra introdutória.
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Um pequeno recorte:
" Os amantes ", René Magritte, 1928, óleo sobre a tela, 54 x 73 cm
A imagem enigmática feita pelo artista surrealista belga Magritte comporta algo de fascinante e perturbador, á um só tempo. E me toca de modo singular !
Certa feita, interrogado sobre o significado de suas pinturas, Magritte respondeu " minha pintura é feita de imagens visíveis que não escondem nada. Elas evocam o mistério e, de fato, qdo alguém vê um dos meus quadros, fica perguntando ' o que será que isto significa? '. Não significa nada, pq o mistério tbm não significa nada, ele é incompreensível ".
O que Magritte designa como " mistério incompreensível " trata-se meramente do objeto (a obra) passível de ser significado de maneira absolutamente subjetiva. Isto vai ao encontro do que subjaz ao surrealismo: há uma interlocução profícua entre o movimento e a psicanálise.
Mais além, poetas surrealistas argumentavam que a própria criação deliberada era incompatível com expressão desinibida da arte. Destarte, expoentes deste movimento buscavam exprimir o conteúdo recalcado através do " automatismo psíquico " que consistia em produzir a arte por meio de métodos freudianos de livre associação, estado de transe e representação dos sonhos.
Este propósito na arte de evocar interpretações subjetivas e incitar emoções particulares não é privativo do Surrealismo - verifica-se noutros movimentos tbm. Ocorre que o Surrealismo e o Expressionismo Abstrato são os únicos que assentam-se nos estudos freudianos sobre o sonho, objetivam trazer ao primeiro plano conteúdo latente do inconsciente e lançam mão do método do " automatismo psíquico " no exercício da arte.
Para mim a imagem em " Os amantes " exprime a coexistência de forças opositoras sob tensão, regidas pelos princípios irreconciliáveis do prazer e da realidade: o desejo e sua infactualidade (impossibilidade de sua realização).
Ideia que deve ser tomada em sua dimensão genérica ( a renúncia da força pulsional no revés da civilização ) e sua expressão particular (o sentimento de amor, dado suas características/contexto singulares é repelido por não corresponder ao ideal-de-eu dos sujeitos envolvidos ).
Sob meu juízo, mais do que exprimir desejos, repressões e angústias intrapsíquicas do artista, há um elemento relacional em jogo que afeta o espectador. Trocando em miúdos: tornando-se a obra relativamente autônoma em relação ao seu criador, por não sintetizar sua representação total, tampouco imediatamente cognicível, a arte media uma relação intersubjetiva entre artista e o espectador da obra, engendrando neste outro um processo tbm de significação, a partir das impressões, percepções e emoções que a arte evoca de modo sempre particular.
Em tempos pandêmicos, há uma outra significação da obra bastante sugestiva, a medida em que o distanciamento social metamorfoseou nossas relações em todos âmbitos da vida social.
Assim concluo*