Malditos

Malditos Anderson Pires da Silva




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Krishnamurti 06/11/2018

MALDITOS – uma ficção gótica existencialista
A chamada literatura gótica (ou horror gótico) parece iniciar-se lá no século XVIII, na Inglaterra, com a obra O Castelo de Otranto: A Gothic Story (1764), de Horace Walpole. Costuma-se destacar, como algumas das principais características desse tipo de literatura (que não chega a constituir propriamente um gênero), os cenários medievais densos de mistérios (castelos, igrejas, cemitérios, florestas, ruínas), a presença de personagens melodramáticos (donzelas, cavaleiros, vilões, os criados), e finalmente os velhos e recorrentes temas e símbolos como segredos do passado, mistérios de além-túmulo, profecias, seitas maldições e toda essa parafernália mítica com que a humanidade se distrai. A essa ambiência soturna, a criatividade de romancistas foi aprimorando a vertente com pitadas de suspense, tensão e excitação. O surgimento do cinema possibilitou inclusive, moldar nesses parâmetros acima o que hoje se entende como Thriller onde se forja os climas produzidos para prender os leitores/telespectadores.
E eis que nos deparamos em pleno século XXI, que vem nos cheirando a clima de Idade Média ainda mais amalucada, com o romance do senhor Anderson Pires da Silva – “Malditos”, que nos adverte na capa em subtítulo, tratar-se de “ficção gótica existencialista”. Isso de gótico e existencialista nos faz lembrar do bruxo do Cosme Velho – Machado de Assis em “O alienista”, no qual, o personagem Simão Bacamarte afirma: “A loucura, objeto dos meus estudos, era até agora uma ilha perdida no oceano da razão; começo a suspeitar que é um continente.” Tal a proliferação de loucos de ocasião ou de interesse momentâneo que pulula no planeta. Muito bem; e nos é apresentado de cara o “advogado do diabo”, um tal de Orlando (que nos lembra também aquele outro personagem Orlando: Uma Biografia do romance de Virginia Woolf publicado em 1928 e que logrou viver 350 anos). Voltemos ao advogado do diabo que é brasileiro, vive aqui hoje nessa zona de país – é advogado de vero - e, claro está por cima da carne seca no mundo social completamente apodrecido que vamos submergindo. Orlando defende os interesses de uma construtora Marinho & Santos, que por sua vez é uma empresa laranja de uma organização de influências góticas, ou seja, defende 9 famílias mafiosas que se ocultam sob o manto da tal seita diabólica que tem inclusive rituais de sagração e etc.
O enredo segue nos revelando que o Orlando como não podia deixar de ser em um caso assim, tem o rabinho preso até a medula com a tal “Ordem” secreta. É casado com uma maluca que é filha de um dos líderes da tal seita. E lá vai o balaio de doidos. A tal construtora tem interesses escusos na aquisição de umas terras onde pretende construir um resort, que por sua vez é fachada para uma futura exploração de uma jazida de uranio. Pronto; a trama segue no underground das corrupções ativas e passivas até que surge um tal ambientalista – useiro e vezeiro de cocaína -, que resolve criar empecilhos aos interesses da construtora. É então que a coisa pega fogo. O autor cria um clima de mistério e suspense que realmente prende a atenção dos leitores que se interessam por tais ingredientes. Seja como for, o leitor acaba sentindo em seu íntimo uma profunda inquietação ante o desconhecimento das consequências de um fato importante: a morte trágica do tal ambientalista cocaineiro, e o suspense da narrativa passa a se constituir um dos elementos motivadores da história. O processo narrativo, nesse caso, passa de um provável acessório ou de um desempenho coadjuvante a uma posição de preceito moderador, mas primordial entre as primazias da conexão entre narrativa e leitura. Paralelamente se instala também na expectativa do leitor a curiosidade em saber que diabo é essa tal “Ordem”, ou seita. Estabelece-se uma verdadeira “narrativa tensional”, aquela que a sensação de agonia desencadeada por uma história indecifrável posterga ou distende a resolução da trama, tensionando o leitor por meio de atitudes vacilantes, ambíguas e suas finalidades estéticas. Entre os “malditos” da ficção do senhor Anderson Pires da Silva, há policiais corruptos, policiais honestos, senadores, prefeitos devassos, putas, ladrões de colarinho branco adoidado, todos agasalhados direta ou indiretamente na tal seita que tem tentáculos poderosíssimos. Um verdadeiro inferno criado e estabelecido sobre a face da terra. No eixo dessa barafunda existencial está o tal Orlando que não sabe exatamente o que um homem pode desejar da vida a não ser poder e riqueza, um perdido de pai e mãe (também maluca juramentada e sacramentada internada em hospício). São muitas as chaves interpretativas para uma obra assim que atualiza horrores e loucuras humanas para nosso século. Precisa claro, contar com a cumplicidade do leitor que se proponha embarcar numa tal barca gótica. É isto!

Livro: “MALDITOS” – Romance de Anderson Pires da Silva – Editora Penalux - Guaratinguetá – São Paulo. 2018, 218 p.
ISBN 978-85-5833-404-4
Link para compra e pronto envio:

http://editorapenalux.com.br/loja/malditos
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