Princípio de Karenina

Princípio de Karenina Afonso Cruz




Resenhas - Princípio Karenina


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MãeLiteratura 08/02/2022

Fiquei sem ar!
Partindo da célebre frase que abre o romance Anna Kariênina, de Tolstói: ⁣
"Eu seria muito infeliz num mundo feliz. Ela seria feliz em qualquer mundo. Esta história, minha e da tua mãe, é também a tua.", Afonso Cruz escreve seu romance.⁣

Uma carta de um pai que não conviveu com a filha e que se apresenta também, a nós leitores.⁣

Ele tem uma deficiência no pé, que o livrou da guerra e um amigo fiel, de quem aos poucos vai se distanciando. Alguns personagens têm nomes muito curiosos como "A Criada da Mealhada", "Dois Metros" (o amigo) e "O Da Herdade Nova" (seu rival).⁣

O protagonista e os personagens principais não são nomeados, apenas Fernanda, sua esposa. Um casal sem filhos e sem amor. Vivem uma rotina sem grandes emoções e ele imagina que assim será pelo resto da vida. ⁣

Tempos depois a descoberta de um amor proibido, uma mulher que traz luz, colorido e sabor à sua vida. Encontros, desencontros, vida e morte. Possibilidades (in)finitas.⁣

Edição linda da Companhia das Letras. Adorei as suas cores e contrastes. Entremeadas no texto encontramos fotos de uma mulher vestida de branco (a mesma da capa), com trechos de livros de autores como João Guimarães Rosa e Vladimir Nabokov.⁣

Este é o quarto livro que leio do Afonso e só confirma seu talento e sua escrita poética. Escrito em português de Portugal, o que traz ainda mais sentimento ao texto bonito.⁣

Um livro curto, mas muito impactante e triste. Muito bonito e reflexivo, do jeito que eu gosto.⁣

Recomendo muito!⁣
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Marcel 07/02/2022

Afonso Cruz e sua imaginação inesgotável, fazendo das situações mais prosaicas uma fonte inesgotável de poesia e observações curiosas
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Alexandre Kovacs / Mundo de K 02/01/2022

Afonso Cruz - Princípio de Karenina
Editora Companhia das Letras - 200 Páginas - Capa: Claudia Espínola de Carvalho, Fotos de capa e miolo de Afonso Cruz - Lançamento: 2021.

A famosa abertura de Anna Kariênina, de Tolstói, "Todas as famílias felizes se parecem; todas as infelizes são infelizes à sua maneira", é recriada pelo português Afonso Cruz em seu próprio romance: "Eu seria muito infeliz num mundo feliz. Ela seria feliz em qualquer mundo. Esta história, minha e da tua mãe, é também a tua."; aqui a frase funciona também como o início de uma longa carta de um pai para a filha que não conheceu. Este pai será o narrador-protagonista contando-nos a história de sua vida desde a infância com a ajuda de citações que variam de Tolstói até Guimarães Rosa: "Infelicidade é questão de prefixo. [...] e que viver é um rasgar-se e remendar-se", uma obra original e sensível, boa oportunidade para conhecer um pouco mais da literatura contemporânea portuguesa.

Aos oito anos, o nosso protagonista, que tem uma deficiência congênita em um dos pés, se torna também "coxo da cabeça" ao aprender com o pai a temer "tudo a que ele chamava de estrangeiro e que não se limitava a uma fronteira geográfica, mas sobretudo moral: – Ouça, menino: se alguns lugares são geograficamente acessíveis, são, no entanto, moral e psicologicamente aberrantes. Um homem de bem não deve sair do seu espaço, deve deixar a selva para os selvagens." Mais tarde, ele entenderia que a aversão paterna ao estrangeiro, significava apenas medo. Onde começava essa definição de estrangeiro? Segundo o pai, "o estrangeiro começava logo a seguir à porta de casa, e esse exterior estendia-se até a Conchinchina [...], o longe mais longe possível, mais longe do que a distância, o momento e o espaço em que a desordem se impõe de uma forma tal que nada faz sentido."

"Como poderia eu, rapaz relativamente deformado, sonhar um dia casar-me com a Fernanda da farmácia, quando o meu rival era o ápice do cânone grego, uma pessoa meio dicionário mitológico, meio recordista dos cento e dez metros barreiras? Mas, na verdade, o segredo é incorpóreo, não se vê. A realidade pode ser muito dura, mas os sonhos dão boas almofadas. O mundo pode ser de pedra, mas os sonhos são um colchão por cima dele e têm a teimosia e a ousadia de não desistir. Por mais que os afastemos, enxotemos como fazemos às moscas incômodas, os sonhos voltam sempre a assombrar-nos, a pousar-nos na cabeça, a picar-nos. Não é a dureza do mundo que vence, são estes insetos frágeis, sem ossos, sem corpo, a que chamamos sonhos, que acabam por fazer buracos no mundo, por o penetrar e vencer." (p. 64)

Após o casamento com a Fernanda da farmácia e a morte do pai, a vida segue a rotina que "é a coluna vertebral da moralidade", até que esta muralha interior é destruída pela chegada da substituta da velhíssima criada da Mealhada, justamente uma refugiada do Vietnã no início da década de 70, uma mulher que inspira a seguinte anotação no seu caderno de contabilidade: "Quando olho para ela, vejo uma janela aberta." Logo, o limitado e infeliz universo doméstico é invadido por ingredientes exóticos, sendo a culinária apenas uma representação de tudo o que mudava: "A partir desse instante, a solidez da minha rotina começou a abrir uma brecha por onde entrava luz. A presença dela haveria de perturbar o tédio nosso de cada dia, abrindo uma janela por onde quer que passasse."

"As noites entre mim e a minha mulher poderiam ter sido momentos de fulgor e calor entre duas pessoas recém-casadas, mas o ambiente era de escritório. Ela era, como já disse, indecisa, e isso paga-se caro na cama quando tudo deve ser fluido, sem hesitações. E eu, pelo meu lado, estava ali como quem carimba um formulário, zeloso do dever da mutiplicação, sem manifestações que pudessem abalar a sobriedade cristã, para a frente, para trás, para a frente, para trás, ela de olhos colados no teto, eu de olhos colados na cabeceira da cama de carvalho, controlando a respiração e concluindo, com uma espécie de suspiro longo, que, se resultasse em descendência, haveria de justificar aquela cena ridícula, que á a cópula executada como nós a executávamos." (p. 93)

É claro que toda essa magia tem prazo certo para acabar. É o que acontece quando uma gravidez inesperada faz com que a criada retorne para sua terra natal. Conseguirá o nosso protagonista, educado com base na solidez da rotina, ter a coragem suficiente para reconhecer que "não existe felicidade na igualdade e na monotonia" e que "é impossível ser feliz sem dor"? Talvez a lição mais importante neste romance seja a certeza da necessidade de desequilíbrio para provocar o movimento, Afinal, "Sem desequilíbrio, nada se move. Um círculo está em constante desequilíbrio. É bom para fazer andar os carros. Os quadrados não têm essa possibilidade. Já estão bem assim, sentados à lareira, a sublinhar a sua hombridade, a sua estrutura sólida. Não são felizes, são produtos industriais saídos de uma máquina de fazer quadrados." E você caro leitor, sua vida está mais para círculo ou quadrado?

"Cochinchina era para o meu pai o lugar para lá do lugar. Uma pessoa podia pecar, mas a Cochinchina era o metapecado, a fera suprema, o ponto onde a razão enlouquece, estava para lá de Deus. Uma pessoa podia imaginar a extensão do mundo, mas a Cochinchina era um passo além da nossa imaginação. Como nunca tinha sentido uma paixão verdadeira, ainda não sabia que a mesma definição se poderia aplicar ao amor: fera suprema, enlouquecimento da razão, ponto para lá de Deus ou da imaginação. / Não conseguia dormir. Senti que tinha voltado a ter oito anos e que me havia confrontado com a existência de uma região mitológica, uma barbárie onde viviam pessoas, algumas delas bastante luminosas, com caras de janelas abertas, com quem era possível falar e, quem sabe, amar. [...]" (p. 104)

Sobre o autor: Afonso Cruz é escritor, ilustrador, cineasta e músico português. Estudou na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa e no Instituto Superior de Artes Plásticas de Madeira. Foi vencedor do Grande Prêmio de Conto Camilo Castelo Branco de 2010 com "Enciclopédia da Estória Universal" e em 2012 do Prêmio da União Europeia de Literatura com "A boneca de Kokoschka", entre outros. No Brasil, a Editora Companhia das Letras publicou "Jesus Cristo bebia cerveja" (2014) e "Flores" (2016).
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ElisaCazorla 18/02/2019

O que é isso de ser feliz?
Ler Afonso Cruz é sempre uma experiência ímpar. Esse autor é de uma sensibilidade que já não vemos em qualquer livro, nos filmes, nas pessoas ou até em nós mesmo.
Eu adoro Afonso Cruz. Já inicio um livro seu com a certeza que vou amar. Com Princípio de Karenina não foi diferente.
Cruz nos conta a história de um pai que escreve uma carta para a filha que não conheceu. Conta a sua história pois é também a história dela.
Durante toda a sua jornada o autor nos faz pensar sobre o que é ser feliz e o que é ser infeliz. Podemos medir a felicidade? Para tal, faz uma ponte com Tolstoi e sua célebre frase: "Todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira."
Em certo momento, o autor nos obriga a refletir, a ponderar e a questionar sobre essa tal questão: é possível medir a felicidade?. Afinal, o que determina a semelhança entre as famílias felizes e a individualidade na infelicidade? Como cada pessoa é infeliz ao seu jeito.

Afonso Cruz vem provocar e agitar uma consciência que todos nós concordamos sobre as particularidades da infelicidade. A felicidade pode corresponder a uma hora e vinte minutos de uma conversa, a um toque de mãos despretensioso, a pequenas coisas que agitam, alteram e prometem um pouco de paz. Uma espécie de teoria do caos que, ao final, se prova necessária para o arrumar as gavetas e para a união fios soltos do passado que, muitas vezes inconscientemente, nos atormentam.

Talvez sejamos capazes de entender o que nos fazia realmente felizes somente no final de nossas vidas quando já é tarde demais para viver a felicidade.

Foi assim com este homem.
É assim com todos nós.
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