Rodrigo | @muitacoisaescrita 04/07/2020
No livro, a deputada pelo PSL Ana Campagnolo percorre pelos temas comuns do feminismo, no que ela chama de ?espinha dorsal? do movimento. Ela deixa de lado, por exemplo, feministas negras (que, ao contrário do que muitos pensam, não surgiram só agora, já existiam desde a época que nomeamos como ?primeira onda? ), transfeministas e, lamentavelmente, o contexto brasileiro. Portanto, Ana foca no contexto euro-americano do movimento. É importante ressaltar isso pra localizar o contexto histórico. De acordo com ela, seria impossível falar sobre todo o movimento (ou sera que ela não é simplesmente incapaz?).
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O livro é pequeno pelo tema que ele se propõe, e Campagnolo tampouco faz questão de causar impacto no leitor ou de instigá-lo a buscar mais conhecimento sobre o antifeminismo, já que nada que ela fala aqui é novo ou diferente do tipo de discurso ? totalmente sem rigor científico ? que ela já traz em suas redes, bem como seus seguidores. Eu diria, na verdade, que o livro é mais um compilado de notícias falsas e/ou mal interpretadas, retiradas de seu sentido e/ou contexto histórico, etc, e usadas de maneira proveitosa e desonesta por Campagnolo. Um exemplo do oportunismo de Campagnolo é a frase que ela adora falar de Simone de Beauvoir que, se abrirmos qualquer entrevista dela no YouTube, ela vai usar o trecho. Trecho, inclusive, que está na introdução do livro ?O segundo sexo?; nele, Beauvoir diz que as conquistas das mulheres só foram ?conquistas? pois os homens as cederam alguns direitos ? daí ter sido um movimento apenas simbólico. Lendo isso isoladamente, fica realmente parecendo que Beauvoir disse isso e SOMENTE isso, no entanto ela dedica longos parágrafos pra explicar tal afirmação, daí a importância de ler a introdução toda. As mulheres não são agrupadas num único grupo de mulheres ? pois existem mulheres quilombolas, negras, latinas, burguesas, asiáticas, etc ? e, portanto, possuem interesses distintos (de classe, raça, sexualidade, etc).
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Beauvoir não é a única autora que Ana Campagnolo usa de forma errônea e indevida, descontextualizando o que foi dito para que, assim, pareça que a autora esteja concordando com Campagnolo ou, ao menos, seguindo a mesma linha de raciocínio. Sobra até mesmo para Alexandra Kollontai, Judith Butler e bell hooks (que, neste livro, Campagnolo se refere a ela como Gloria Jean Watkins; apesar de ser o verdadeiro nome da autora, qualquer pessoa que leia de fato um livro dela já se deparou com ela afirmando a preferêcia por seu pseudônimo). Essa "tática", no entanto, não é nova - ela deve ter aprendido com Olavo de Carvalho, rs.
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Se engana quem pensa que eu odiei o livro. Muito pelo contrário. Me proporcionou ótimas risadas, bem como aquele livrinho horrível da Sara Winter, que inclusive foi elogiado neste de Campagnolo, assim como a própria Sara. O que esperar de uma deputada bolsonarista e fã de Olavo de Carvalho, que defende que mulheres devem ser submissas a seus maridos e o armamento? O capítulo III, por exemplo, me surpreendeu. Chamar a IPPF de ?racista?, como se a própria autora não fosse ? vale ressaltar que ela é contra as cotas raciais ?, ignorar o racismo enquanto estruturante (e que, portanto, se expressa nas diversas camadas da sociedade) e que, por conta disso, faz com que mulheres negras tenham as piores condições de manter uma gravidez (quem dirá depois disso, quando o bebê nascer!) e que elas, também, por não estarem inseridas (não porque não querem, mas porque foram excluídas desses espaços) nos debates sobre educação sexual, acabam desconhecendo os métodos contraceptivos (que também é visto de forma negativa para Sara). Ela chega ao ápice de chamar o movimento Black Lives Matter de ?supostamente antirracista?. Uma pena que o ?antirracismo? de Sara seja proferir discursos racistas bem como lutar para que os direitos dessa população sejam retirados.
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Estranhamente, concordei com algumas coisas que ela disse no livro, como o fato do feminismo ter uma relação com o marxismo. Isso é verdade e, sobretudo, essencial. Porque daí poderíamos caçar Campagnolo e mandar pra gulag junto com o Olavo de Carvalho. ?