Jeff.Rodrigues 26/12/2018Resenha publicada no Leitor CompulsivoA Operação Lava Jato trouxe ao conhecimento do público, em sórdidos detalhes, muito do que sempre se desconfiou ou fez parte do inconsciente coletivo dos brasileiros: o fato de que nossa classe política, em sua maioria, é corrupta e age sempre, única e exclusivamente em benefício próprio. Entre ex-presidente com ocultação de bens, diretores-marionetes de dirigentes partidários, partidos com seus percentuais, e um memorável departamento de propinas da Construtora Odebrecht, destaca-se uma figura singular, talvez única em seu modus operandi, que visava ao benefício particular acima do partidário (acusações semelhantes pesam sobre o já quase ex-governador mineiro, Fernando Pimentel, cuja casa ainda não caiu).
Sérgio Cabral Filho, o todo poderoso homem das UPPs do Rio de Janeiro, governador com ares de futuro candidato ao Planalto, transitou bem entre o fazer e o roubar. Entre os muitos seguidores do tradicional estilo Adhemar de Barros de “rouba, mas faz”, Sérgio Cabral é o exemplo mais bem-acabado da filhadaputagem a que chegou a política brasileira nesse começo de século XXI, embora sua trajetória corrupta tenha começado bem cedo, já nos idos dos anos 1990. No livro subintitulado “O Homem que queria ser Rei”, o jornalista Hudson Corrêa destrincha o passo a passo de um jovem promissor, desses que nos traz esperança de fazer da política um exercício em benefício da população, mas que se perdeu no caminho do “jeito brasileiro de ser homem público”.
Sérgio Cabral: O Homem que queria ser Rei é um relato impressionante de como se usar da máquina pública, das influências, do poder do cargo, do trânsito entre empresários, para enriquecer sem limites ao ponto de ultrapassar o “aceitável” e mergulhar nos delírios faraônicos. Sim, porque as ações do ex-governador do Rio de Janeiro e sua esposa, Adriana Anselmo, são dignas das mais delirantes histórias de faraós ou reis, sem limites, sem bom senso, movidos por uma ganância inexplicável. Talvez doentia.
Inspirado pelo pai, Sérgio Cabral Filho iniciou uma trajetória política que tinha tudo para ser brilhante – e quase foi, não fosse o tropeço da Lava Jato. Jovem, ares de galã, e dono de boa prosa, o garoto foi deputado estadual, presidente da Assembleia Legislativa, senador, governador eleito e reeleito. Ah, e chefe de organização criminosa. Sua biografia é regada a joias, helicópteros bancados com dinheiro público, extravagância, megalomania. E nesse caminho teve a boa sorte de encontrar para esposa alguém semelhante.
A leitura da obra de Hudson Corrêa é fundamental para duas coisas. A primeira é entendermos que apenas boas ações em prol da população não servem de salvo conduto para os crimes praticados. É fato que Sérgio Cabral implementou políticas públicas que fizeram a diferença no estado do Rio de Janeiro e melhoraram de alguma forma a situação de diversas pessoas. Contudo, isso jamais pode ser usado de forma a isentar a culpa pelo saque aos cofres do estado. Embora esse raciocínio pareça lógico, nesse Brasil polarizado entre “nós contra eles”, é sempre tendência defender o político de estimação de seus crimes sob a justificativa do “ele fez muito pelos pobres”. Fez, mas roubou e deve pagar por isso. Simples! Em segundo lugar, conhecer a trajetória de Sérgio Cabral é importante para despertar nossa consciência cidadã de que fiscalizar, cobrar e estar atento aos políticos em quem votamos é imprescindível para as melhorias que tanto queremos. Não basta votar e “deixar rolar”.
Condenado a mais de 180 anos de prisão, Sérgio Cabral provavelmente será um dos primeiros políticos brasileiros a pagar bem caro pelos crimes cometidos. Conhecer sua trajetória, através deste livro, é tão importante quanto legá-la ao esquecimento. Há pessoas cujo limbo da história ainda é pouco para o mal que causaram. Sérgio Cabral e Adriana Anselmo fazem parte desse seleto grupo.
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