Evy 07/05/2020"Houve momentos em que a vida rasgou todos os seus pudores ante meus olhos e apareceu nua, gritando intimidades tristes, que para mim eram apenas horríveis".
Essa obra é do início ao fim isso. A vida, nua e crua, gritando horrores. A narrativa da autora é poética, deliciosa e super fluída. Há belas descrições de alguns pontos de Barcelona, e fiquei tão íntima da Rua Aribau que faço das palavras da personagem Andrea, as minhas próprias: "Entrar na Rua Aribau era como entrar na minha própria casa". Mas ainda assim não sei dizer que sentimento tenho ao pensar nessa leitura, porque você fica da primeira à ultima página sem saber se amou ou achou simplesmente um absurdo tudo que foi relatado.
A história é narrada em primeira pessoa, por Andrea, uma jovem órfã que se muda para a casa de sua Avó em Barcelona, para cursar Letras na Universidade. As lembranças que tem dessa casa e de sua família são totalmente o oposto do que encontra ao chegar. Seus familiares estão empobrecidos e amontados num casarão decadente logo após a Guerra Civil Espanhola, e discutem o tempo todo aos gritos e agressões pelos motivos mais mesquinhos. Andrea sente-se o tempo todo deslocada e assustada, tentando se esgueirar pelas sombras sem ser vista e falando minimamente. Tenta buscar na universidade um modo de fugir desse mundo, mas é outro lugar onde se sente inadequada perto de seus colegas muito mais abastados que ela, criando relacionamentos superficiais, com exceção de Ena, sua melhor amiga.
Nada é um relado da vida como ela é, do cotidiano de uma família desajustada que tenta manter seus vínculos aos berros. Tive ranço de alguns familiares, em especial de Angústias e sua carência e necessidade de controle no início do livro e Juan com seu machismo e agressividade até a última palavra do livro. As cenas de Juan e sua esposa Glória são indignantes, mas são cenas que muito provavelmente e infelizmente aconteçam dentro de muitos lares, sendo vistas ainda hoje, apesar de tanta luta, como normais. Inclusive pelas vítimas.
Andrea no meio de tudo isso é uma personagem, que apesar de protagonista e narradora da história, não se conecta muito, nem aos membros de sua família, nem ao próprio leitor. É possível perceber seu afastamento, sua introspecção. Sentia como se ela quisesse sumir o tempo todo, desaparecer do cenário aterrador de sua realidade. E quem poderia culpá-la por isso? Além disso tudo, ela pagava pelo quarto onde dormia no casarão de sua família e abdicou das refeições, para poder economizar para se dar algumas simples, mas caras, satisfações. Acabava gastando o dinheiro no início do mês e passava fome nos restante dos dias. As descrições da magreza, das dores de cabeça, do mau humor e dos desejos que sentia ao ver/ouvir falar de comida, são perturbadores.
É uma leitura que incomoda, que faz pensar e te tira do lugar comum. Três pontos que pra mim, formam uma verdadeira experiência literária. Portanto recomendo muito a leitura!