Edmar Lima (@literalgia) 04/03/2019
Um "Nada" que contém tudo!
A leitura de Nada é enriquecedora por diversos motivos. Primeiramente, temos a voz de uma autora como Carmen Laforet que, em sua estreia literária, nos presenteia com uma narrativa densa e emocionante. O tom do livro é sério, assim como o estado em que Espanha se encontrava após a guerra civil. Os cenários e os personagens da história também exibem as cicatrizes deixadas quando uma disputa se finda. Marcada pela pobreza extrema, a casa da avó de Andrea, protagonista de Nada, é um lugar inóspito e rodeado por brigas e desentendimentos. Diferente das lembranças que a personagem guardava do lugar que costumava visitar quando era pequena. O ambiente sujo, sufocado pelos móveis, roupas e livros reflete a desorganização em seus moradores que, por sua vez, vivem em pé de guerra e se comportam como animais uns com os outros. As constantes brigas entre os familiares de Andrea permeiam toda a narrativa e causam certo mal estar durante a leitura do romance. Porém, através dessas discussões, conseguimos desvendar as personalidades de alguns personagens como, por exemplo, Gloria, a esposa do tio de Andrea que lamenta ter se casado com um homem agressivo e que sonha com um futuro onde possa desfrutar de sua beleza e juventude longe das garras possessivas do marido. Juan e Ramón, os tios de Andrea, são inimigos declarados e por isso protagonizam incontáveis cenas de violência e não suportam dividir o mesmo espaço sem causar constrangimento nos outros membros da família que ali estiverem. E, não menos importante, temos a figura autoritária de tia Angustias. Essa é uma personagem que, particularmente, me deixou intrigado durante a minha leitura. Tia Angustias controla Andrea com mãos de ferro e, ao mesmo tempo que parece se decepcionar frequentemente com a sobrinha por ela não corresponder às suas expectativas, nutre uma afeição enorme pela menina e até sente ciúmes de sua relação com Gloria.
A Rua Aribau, onde os personagens dessa história vivem, é o lugar no qual essa aventura se inicia e, igualmente, se encerra. Andrea vem para Barcelona com o objetivo de cursar Letras na faculdade local e traz consigo uma mala cheia de sonhos, inseguranças e dúvidas. Apesar dos estudos serem o motivo da chegada da menina na cidade, a trama não foca nesse aspecto da vida dela. Os diálogos do livro ocorrem, em sua maioria, na casa da avó, no quarto de Román ou nas ruas de Barcelona, onde Andrea passa a maior parte do tempo refletindo sobre os acontecimentos do dia e apreciando a arquitetura dos prédios. Também nos bairros da cidade, Andrea encontra uma distração para a fome que sente, pois, devido à pobreza da família, as refeições da casa eram escassas. Essa fome faz com que a protagonista sinta muitas dores e se estresse com as outras pessoas com rapidez e, a partir disso, ela começa a entender as constantes discussões entre seus parentes. Mas, retornando ao ambiente de ensino, é na faculdade que Andrea conhece Ena, uma menina sedutora e rica. Uma amizade improvável nasce entre as duas e, à medida que o tempo passa, percebemos como a nova amiga se torna parte da vida de Andrea e de outros personagens da Rua Aribau.
Concluindo, Nada é uma obra espetacular, com uma narrativa simples e direta, sem floreios ou divagações. Infelizmente, mesmo com o sucesso estrondoso de seu primeiro livro, Laforet não persistiu na carreira como escritora devido aos problemas que a trama gerou em sua vida privada. Porém, a singularidade dos personagens e a construção dos cenários ficarão marcadas por um bom tempo em minha memória. Contrariando o título, Nada contém tudo que uma história precisa ter para prender seu leitor e emocionar. Apesar de a protagonista dizer que não levará consigo nada da pequena casa da Rua Aribau, eu, assim como Andrea, percebo que é impossível sair dessa leitura sem nenhum aprendizado!