Luci 19/02/2023
O nada que se revela dentro de um universo de possibilidades
É até difícil escrever sobre esse livro, quando parece que ele conversou tanto comigo. Estou o lendo quando eu mesma tenho uma idade próxima da protagonista e, em breve, me mudarei devido aos estudos para uma cidade que também me oferece um certo grau de deslumbramento por conta dessa aura de possibilidades e mistérios que a cerca. Já o início do livro me atravessou de tal maneira que eu sabia que o resto teria uma grande tarefa em vista de permanecer à altura ou não.
O que eu encontrei nessa leitura foi muito mais do que o "nada" que o título propõe. É uma experiência completa, em que podemos sentir cheiros, nos sentir sufocados com objetos, com barulhos, sentir a presença carregada de olhares e julgamentos. É como poder tocar a casa da rua Aribau e andar por seus corredores, com todas as suas tranqueiras e antiguidades, pensar em como seria viver entre coisas outrora valiosas, agora que garantiriam a literal sobrevivência de seus peculiares personagens.
Nesse livro, em que vemos a dura experiência da violência doméstica, os sonhos frustrados de guerrilha, a pobreza crua, de tal ponto que a histeria se manifesta por causa da falta de comida no estômago, a sensação angustiante de despertencimento, tudo isso forma um mosaico fascinante em que nos vemos envolvidos, absortos pela narração de Andrea, de tal maneira que, ainda que sua visão se limite aos acontecimentos cotidianos de sua vida, podemos enxergar os efeitos imediatos do pós-guerra na sociedade, podemos ver o empobrecimento, a sua busca pela maturidade em um cenário infértil, a recusa pelas figuras religiosas e autoritárias.
Eu amei esse livro e queria ter o talento de por em palavras o quanto me identifiquei em certas passagens.