Cássio Cipriano 13/03/2024Uma história que por muito tempo me fez acreditar que vivências LGBTs deveriam se limitar ao sofrimento.É um livro ruim? Definitivamente, não! A leitura me prendeu até a metade, como se eu estivesse lendo pela primeira vez, mas em dado momento perdi o interesse e ficou cansativo, pois a história é basicamente um combo de todos os problemas, estereótipos, preconceitos e sofrimentos associados à pessoas LGBTQIAPN+, ainda mais na década de 90, mas a abordagem desses temas se justifica no fato de que foi baseado numa história real, então não era apenas uma escolha do autor abordar ou não os temas, mas de se manter fiel à narrativa dos fatos que ocorreram para contar esta história. Além disso, é preciso reconhecer o quão à frente do seu tempo esta história foi por abordar temas tabu da época, e que só hoje vemos em narrativas mainstream, como relacionamento não monogâmico e experiências problemáticas na adolescência, só que em abordagens mais reflexivas e responsáveis, diferente de como acontece nessa história. E ainda que precise ser lido considerando o recorte temporal da sua publicação, em 1997, alguns temas e a visão de muitos personagens se mantém atual, infelizmente, refletindo a onda de conservadorismo e ideais de direita que se fortaleceram nos últimos anos.
É impossível não se incomodar com a idade dos protagonistas e tudo o que eles vivenciam como se fosse comum da adolescência, como consumir bebida alcólica (muitas vezes acompanhados ou incentivados pelos pais), dirigir sem habilitação, fumar... Esta não é uma história fofinha ou didática e, nesse sentido, acho que o maior erro em relação a esse livro foi toda uma geração de jovens gays e bissexuais (e eu me inclui nesse grupo) terem lido como um romance de formação, e definitivamente não é um romance de formação. É uma história que nada ensina para jovens que estão em fase de entender a sua identidade e explorar a sexualidade. Ler essa história num momento tão delicado pode bagunçar a mente de um jovem, se ele não tiver estrutura psicológica para lidar com tudo o que esse livro aborda.
Por fim, é uma obra-prima? Está bem longe de ser! Apesar de reconhecer todos os méritos do livro, ele deixa a desejar em muitos aspectos fundamentais, principalmente na qualidade da escrita e formatação dos diálogos, que são truncados, além de algumas cenas que são tão inverossímeis, e mesmo sabendo que a história é baseada em fatos, fica difícil de engolir que algumas coisas ali aconteceram como é mostrado no livro. Porém, na época em que esse livro foi lançado, existiam tão poucos com uma proposta de mostrar vivências LGBTQIAPN+, que ele acabou virando um clássico quase que instantaneamente, mas é bom ver que hoje em dia nós temos histórias muito melhores, tanto no quesito técnico quanto na diversidade de narrativas, pois abordam vivências LGBTQIAPN+ por outros viéses e são mais adequadas para serem lidas por jovens que estão se descobrindo, entendendo suas identidades. Porém, é preciso reconhecer que histórias como a de Marcos e Renato ainda refletem uma realidade e não podemos tapar o sol com a peneira. "O Teceiro Travesseiro" é problemático porque reflete problemas de crescer sendo um LGBT num país tão conservador, em famílias opressoras, onde as aparências importam mais do que a maneira como as pessoas se sentem.
site:
https://instagram.com/cassiocipriano