spoiler visualizarJoaoVictorOF 15/02/2022
Um produto do seu tempo, prova da evolução na representação de grupos LGBTQIA+ desde então
Lançado em 1997, esse livro foi um dos mais bem sucedidos com a temática LGBTIA+ (na época, ainda GLS) no Brasil e foi o primeiro contato que muitos jovens dos anos 2000 tiveram com um romance que tratasse das experiências dessa população. Mais de 20 anos depois de sua publicação original, porém, a leitura de "O Terceiro Travesseiro" traz muitas marcas de como o debate sobre a sexualidade e a representatividade das populações queer evoluiu desde então. Fica difícil para o leitor moderno, já mais habituado à temática e tendo um outro arcabouço de representações para servir de parâmetro, não enxergar as limitações da narrativa.
Alguns dos maiores incômodos são o uso de termos já datados, como "opção sexual", e a apresentação de ideias antiquadas que nunca são questionadas de forma veemente, como a aversão por gays afeminadas que Marcus e Renato apresentam, ou até mesmo a pavorosa aporofobia (desprezo por pobres) do protagonista, que nunca é problematizada ou criticada como deveria.
Devo também dizer que, apesar da história de Marcos, Renato e Beatriz causar empatia pelo seu fundo universal de sofrimento, conhecido por qualquer membro marginalizado de uma sociedade, é difícil se ver representado no drama de dois jovens de classe média que têm todos os recursos disponíveis para viver seu caso de amor. A questão da classe social e dos privilégios que ela concede ao casal nunca é propriamente reconhecida. Soma-se a isso o fato de as dores do violento processo de aceitação ficarem em segundo plano na narrativa e das dificuldades serem superadas quase imediatamente (agressões são perdoadas sem mais nem menos e o casal se oficializa num espaço curtíssimo de tempo) e o resultado é uma história de amor que parece completamente distante da realidade da maioria do público leitor, que mesmo hoje não goza dos mesmos privilégios. Muitos desses "problemas", na verdade, se originam no fato do livro ser baseado nas experiências reais de um membro dessa bolha, mas o escritor poderia ter usado das ferramentas da ficção para conferir mais complexidade à essas experiências e realmente trabalhar questões que são apenas tocadas superficialmente.
O livro é fácil de ler em poucos dias devido à simplicidade da linguagem utilizada, mas é mal escrito em vários momentos. Cenas são cortadas sem a menor cerimônia, e momentos que mereciam mais descrição ou apresentação prévia na narrativa (como as memórias do colégio anterior de Marcus, sua tentativa de suicídio etc.) são visivelmente jogados como de última hora. Vale dizer que há *muitas* cenas de sexo, masturbação, etc: Algumas são bem descritas, a maioria é repetitiva e mecânica e umas poucas, verdadeiramente asquerosas. Apesar disso tudo, o escritor sabe dar o tratamento adequado na linguagem a alguns momentos chave na narrativa: vários trechos capturam com exatidão a sensação da primeira paixão, o êxtase e as dores do protagonista.
Com todas as suas limitações e problemas, "O Terceiro Travesseiro" continua sendo uma leitura válida para todos os interessados em ver um tocante, ainda que imperfeito, relato sobre juventude, preconceito e paixão. O final é devastador, surpreendente e frustrante; e apesar de usar do velho clichê do fim trágico para o personagem LGBT, o que o torna aceitável aqui, novamente, é ser baseado na realidade.