Daubian 12/01/2023
A polifania das mariocidades
Mário era genial e usou toda sua visão aguda para descrever São Paulo. Esta Paulicéia, sua "mariocidade", envelheceu ao mesmo tempo ultrapassada e inexistente com suas mocinhas indo a pé em bando ao cinema como mais atual que nunca. Quem cresce nesta metrópole vai identificar muito bem o espírito dela nestas páginas. Esta "Lady Macbeth feita de névoa fina", palco e personagem tão essencial. Mas este livro é mais do que um ode (e uma crítica) a São Paulo. Aqui ele apresenta ideias líricas realmente interessantes. Um "lirismo de sabiá". Pra ele um poema é um que de profecia, sonho e loucura. Questiona o belo, a história, a métrica, a ordem, a gramática, a cidade, a liberdade, a igualdade...Tem um trecho ótimo sobre a última: "homens de São Paulo, todos iguais e desiguais". Aqui, Mario e os modernistas que buscam a identidade cultural brasileira, mostram que é primeiro de tudo uma questão de se conhecer: "Por muitos anos procurei-me a mim mesmo". O livro mostra esta identidade à brasileira com cajus e arranha-céus, com araras e fuligem, com mariposas e helicópteros. Ele teve uma ótima visão que é um bom resumo de São Paulo e do Brasil: "Sou um tupi tangendo um alaúde!". E Mario, um especialista em música, coloca muita sonoridade no livro. Seja nas aliterações (como em "carroças rodando, Rápidas as ruas se desenrolando, Rumor surdo e rouco,"), seja nas referência a orquestras e canções. Que genial especialista em música era ao colocar propositadamente desafinos como parte da composição musical. Para ele a música avançou mais que a poesia, em que podemos apreciar um som solto, uma composição, uma harmonia, e em suas palavras ele busca uma poesia musical, uma polifania. E o livro embarca como um ode à loucura, à transgressão, para ser superior a tudo isso, porque só assim conseguiremos, senão reproduzir, mas ouvir o verdadeiro "som" que é esta cidade.