spoiler visualizarLois 22/02/2019
"A guerra é um triunfo do medíocre... O criminoso recebe a auréola de santo e nós nos curvamos perante ele, aclamando-o... A vida parece tão monótona para os homens, que eles preferem a ruína."
Esse livro tem uma imensa sensibilidade, mas é uma sensibilidade que dói. Porque são várias verdades jogadas na nossa cara. E apesar de ser uma história representada em quadrinhos, com poucos diálogos, se torna lento de digerir, exatamente pelo seu conteúdo, por nos mostrar uma série de coisas que vemos na nossa própria sociedade e fingimos não ver. Algo que pensamos estar tão distante da nossa própria realidade quando na verdade está sempre mais perto do que imaginamos.
Quando a gente reflete sobre as guerras que existiram, sempre acabamos nos questionando: "Mas como as pessoas deixaram chegar a esse ponto? Como algo dessa magnitude pôde acontecer? E tão rápido? E como as pessoas não conseguiram impedir?". Mas aí a gente percebe que é um vírus silencioso, que quando você acorda pra realidade do que está acontecendo, já é quase tarde demais. Porque ninguém é exatamente da forma como se mostra, ninguém é exatamente da forma como nós imaginamos. Às vezes há mais bem do que mal e outras há mais mal do que bem, dentro de cada pessoa. E nem sempre isso vem à superfície a não ser quando uma situação impulsiona ou até mesmo obriga a vir.
Esse livro é verdadeiro, emocionante e nos deixa devastados, mas com algumas gotas de esperanças de que existam mais pessoas como o Brodeck. De qualquer forma, a certeza é que este é um livro extremamente necessário. Se você tem a oportunidade de ler, leia. É algo que realmente precisa ser lido, precisa ser conscientizado na nossa sociedade.
Não tenho o costume de ler histórias em quadrinhos, graphic novels, nada desse tipo. Eu lia bastante quando era criança, mas depois fui perdendo o interesse. Porém esse livro trouxe de volta esse interesse e a partir de agora, quero agregar histórias desse tipo cada vez mais nas minhas leituras.
Outra coisa extremamente bem feita é a arte desse livro. Às vezes, não são necessárias palavras e esse livro mostra exatamente isso, nas situações e nas expressões dos personagens. Nos faz realmente sentir!
E o livro acaba falando por si mesmo, por isso vou deixar várias passagens do livro ao invés de ficar apenas comentando sobre.
"O curso da vida depende de coisas insignificantes. Um caminho que se deixa em favor de outro, um melro que se escolhe caçar ou poupar..."
"Eu, desde pequeno, adoro as perguntas e os caminhos que elas nos fazem tomar, as respostas não são importantes, Brodeck. É percorrer o caminho que satisfaz o homem."
"Passamos por muitas provações, e o nosso isolamento fez de nós seres à margem da civilização."
"Conhecemos o sofrimento e a morte... Precisamos agora vencer o passado e reaprender a viver."
"Tudo que pertence ao ontem pertence à morte. O que importa é viver. Você sabe bem disso, voltou de onde ninguém volta."
"Mesmo que escape, o prisioneiro nunca mais poderá olhar os seus semelhantes sem ver neles o desejo de perseguir, de torturar, de matar."
"Se vocês tivessem vivido a guerra e o que ela fez por aqui, seriam como nós. Procurariam viver da forma menos dolorosa possível. É a natureza humana."
"E o mistério, assim como a diferença, dá medo."
"O que eu queria, Brodeck, era compreender. Eles fazem a guerra quando os mandam e morrem com a certeza imbecil de que alguma coisa os espera. Mas não querem compreender, preferem evitar as dores de cabeça."
"Não obstante, para quem realmente nos conhece, valemos mais do que parecemos."
Numa guerra não existe valor individual. Todos estão ali jogados como um só, quando na verdade, cada um de nós tem um valor imensurável individualmente. Temos aquela pessoa que precisa de nós, temos aquela pessoa de quem precisamos, temos pessoas importantes que amamos e que nos amam de volta. Não somos um simples objeto sem valor porque alguém nos enxerga sem valor.
"Eu vi o que os homens fazem quando têm a certeza de não estarem sós."
E a conversa com o padre expressou imensamente como eu me sinto em relação às religiões.
"Os homens são mais perversos do que as piores feras selvagens... Eles perpetram o pior muito facilmente, e depois são incapazes de viver com a realidade dos seus atos! As memórias deles, Brodeck, aquelas escondidas mais fundo, bem protegidas, elas não mentem. Eu sou aquele em cuja mente eles despejam todas as suas sujeiras, suas imundícies, para se aliviarem... Depois vão embora, limpinhos, prontos para recomeçar na primeira oportunidade. Eu sou o esgoto, Brodeck."
"Eu sou seu pai, não importa o que eles digam. Eu digo que as flores mais belas às vezes nascem de uma terra podre."
"Sou o único inocente em meio a todos. O único. Escrevendo essas palavras, subitamente me dou conta do perigo que isso representa. Ser inocente em meio aos culpados... É, em suma, muito parecido com ser o único culpado entre os inocentes."
Pra mim, "O Relatório de Brodeck" nos deixa uma pergunta clara: "Vocês não conseguem enxergar o mal que estão fazendo uns aos outros? É assim tão difícil exercer conceitos tão simples como o respeito e a empatia?" E a verdade é que é.
Depois de ler esse livro e ficar pensando e repensando várias questões, uma frase de um outro livro ficava martelando na minha cabeça o tempo inteiro. "Porque acreditamos nos atos simples de bravura, na coragem que leva uma pessoa a se levantar em defesa de outra." É da série "Divergente" e fez total sentido pra mim enquanto eu refletia.
É exatamente isso! É tão mais difícil se levantar em defesa de outra pessoa quando isso pode ferir você mesmo. É tão mais fácil simplesmente se omitir diante de um ato de covardia, não é? Do que arriscar a própria pele pra defender uma injustiça? É extremamente nobre arriscar-se para defender alguém em uma situação de perigo, além de ser extremamente raro. Então pra mim, essa frase se tornou uma enorme base, exceto de que no fim das contas, realmente não é um ato simples de bravura, mas sim um dos maiores atos de bravura.
Nota: 5.0