Que fazer?

Que fazer? Vladimir Lenin




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Amós 21/04/2020

Dirigismo e Marxismo
O livro Que fazer? do político revolucionário russo Vladimir Ulianov “”Lenin” foi publicado no ano de 1904 e trata principalmente das formas de luta política realizada por operários e militantes comunistas/social-democratas na Rússia Czarista. A obra por ser fruto de um período muito atribulado da política russa usa de questões do contexto para pensar problemas maiores da disputa política num período de pouca organização e grande repressão estatal. Tentarei nessa resenha tratar dos argumentos centrais do texto mas obviamente pontos que considero de menor importância irão ficar de fora. Já deixo claro também que analiso essa obra de uma perspectiva anarquista, mas que entende a importância do pensamento marxista/leninista para a luta socialista.
À época em que o livro foi escrito, a sociedade não contava com nenhum tipo de legislação trabalhista, a atividade militante socialista era ilegal e amplamente perseguida. Tendo isso em mente é fácil notar que a obra gira em torno de dois eixos principais alternadamente: ataques a ala reformista (ou economicista) do Partido Social-Democrata e proposta e visões próprias de Lênin para ampliar e fortalecer a luta socialista na Rússia.
Os capítulos iniciais do texto começam a analisar a realidade do Partido Social-Democrata russo e é onde se iniciam às críticas a ala economicista. Para isso Lênin inicia sua análise pensando as críticas que sua ala - a revolucionária - sofria em nome do que ele chama de “liberdade crítica”. Traduzindo em termos simples: haviam muitas críticas internas ao movimento socialista em torno da ideia de uma revolução na Rússia e isso era muito atacado pelos economicistas, que defendiam a ideia de que a luta sindical deveria pautar-se somente por questões econômicas localmente(melhores salários ou condições de trabalho).
O autor do livro começa então o desmonte desses argumentos com a exposição do fato de que exercendo essa “liberdade crítica”, os reformistas fragilizam a totalidade socialista dando espaço a ideologias liberais-burguesas. Além disso, a ausência de um projeto de sociedade impedia que os trabalhadores sindicalizados enxergassem a possibilidade mudanças estruturais na Rússia para além de questões econômicas, mudanças essas que só são possíveis pela via revolucionária. Tomando o Partido Social-Democrata Alemão como contraponto, Lenin traz a luz que estes contavam com um projeto de sociedade e que apesar da ilegalidade do movimento, também gozavam de uma organização nacional coesa.
Lênin argumenta nos capítulos III e IV como essa atitude dos economicistas desviava o foco da luta para questões de menor importância e como isso dificultava a formação de uma organização coesa de amplitude nacional. Anexo a isso o autor tece duras críticas ao “espontaneísmo”: ideia da ala economicista de que bastava a luta local para alcançar a revolução, pois quando a sociedade chegasse a um ponto tal de opressão o povo trabalhador iria espontaneamente se rebelar e iniciar uma revolução.
Lênin contrapõe essa ideia expondo o fato de que mesmo que esse “ponto ideal” fosse alcançado de nada adiantaria pois os militantes não estariam organizados nacionalmente e a reação política organizada trataria de dar fim a qualquer tentativa de revolução. A isso ele dá o nome de “trabalho artesanal”, pois não conta com muita organização e muito menos visa um projeto mais amplo.
Caminhando para o fim da obra o autor passa a propor formas de organização que melhor atendessem os propósitos revolucionários: a formação de quadros militantes “profissionais” que estivessem sempre disponíveis a organizar e inflamar a luta política em qualquer ponto do território russo conforme a necessidade; a criação de um jornal de abrangência nacional que unisse as pautas dos vários jornais locais e de categorias trabalhadoras específicas em torno de um projeto de sociedade comunista; e finalmente um chamado a formação de uma organização forte de amplitude nacional e centralizada que pudesse responder a repressão das melhores formas possíveis.
Apesar de concordar com boa parte do que é tratado na obra, Lênin demonstra no livro a constância de sua concepção vanguardista, dirigista e verticalizadora dentro do movimento socialista. Ou seja, a formação de uma classe operária para a autonomia e o autogoverno não é o objetivo de sua organização mas sim de que os núcleos locais prestem obediência irrestrita aos dirigentes do Partido Social-Democrata, sem espaço para críticas ou debates internos. Com isso a ideia de centralismo-democrático já toma forma.
A verticalidade proposta para essa organização é seu calcanhar de Aquiles e com isso em mente é mais fácil entender o desfecho que a U.R.S.S. terá: crescente autoritarismo da casta estatal; concentração absoluta de poder na mão dos dirigentes do Partido Bolchevique; repressão das classes científicas russas; total cerceamento das liberdades individuais de camponeses e operários russos e tudo isso se demonstra em episódios como a traição e destruição do movimento makhnovista em 1920 e o Massacre de Kronstadt em 1921. Apesar da bela retórica que Lênin demonstra em suas ideias o que sua luta trouxe ao povo russo nada mais foi que um novo czarismo sob a bandeira marxista.


site: @gastter
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