Thiago662 22/09/2021
Merece ser lido, escrito por uma mulher extraordinária
"Oh! A mente! Isso ninguém a pode escravizar!"
Se pudéssemos definir Maria Firmina dos Reis em uma palavra, certamente seria extraordinária. Mulher, preta, escritora, professora, abolicionista... Tudo isso em pleno século XIX, em um país machista e escravocrata! Em 1859 pública, Úrsula, em pleno Maranhão, longe do grande centro na época e ainda hoje! Considerado o primeiro romance escrito por uma mulher e publicado no Brasil. Não é pouco!
O romance em si, bem como os personagens Tancredo, Úrsula, o Comendador Fernando, Adelaide, não deixam nada a desejar em relação aos escritos de Machado de Assis, um dos maiores do Brasil. Há aí ciúme, traição, sentimento de posse, machismo em todos os lados. E mais: é uma obra abolicionista! Os personagens escravizados, Túlio e Suzana, de longe, são os melhores, mais construídos. De forma inédita, são senhores de sua voz, história e memória! E eles descrevem o horror que é a escravidão e Eu imagino a elite maranhense lendo isso no auge do Império e no auge da escravidão no Brasil.
Firmina dos Reis subverte!
Logo de cara o escravo Túlio exclama horrorizado: "Senhor Deus! Quando calará no peito do homem a tua sublime máxima - ama ao teu próximo como a ti mesmo -, e deixará de oprimir com tão repreensível injustiça ao seu semelhante!... Àquele que também era livre no seu país... Àquele que é seu irmão".
O melhor capítulo, sem dúvida, é o nono (A Preta Suzana). Pela primeira vez dois personagens negros discutem sobre liberdade, escravidão, memória. Suzana narra sua vida em África, sua violenta captura, a travessia atlântica no navio negreiro, o sofrimento e maus-tratos em solo brasileiro. Conhecemos essa história de cabo a rabo, mas é impossível não chorar! E aí há uma mudança de paradigma, o bárbaro é o branco e não o negro:
"Tudo me obrigaram os bárbaros a deixar! Oh! Tudo, tudo até a própria liberdade!".
Como salienta Conceição Evaristo ela "situa os sujeitos escravizados como seres humanos roubados em seu direito sagrado, o de ter a liberdade".
Apesar de tudo, termino a resenha da forma como comecei, "a mente ninguém pode escravizar". Os nossos ancestrais lutaram para que chegássemos até aqui! Obrigado Firmina, onde estiver!
PS (é necessário): Firmina escreve uma África idealizada, onde não há escravidão, por exemplo, mas em nada isso tira os méritos do livro. Não sei se Lima Barreto a leu, mas ele adoraria uma mulher e escrita fora da curva!