O Sonho de Lucas

O Sonho de Lucas Marcelo Vinicius




Resenhas - O Sonho de Lucas


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Ana Lícia - @livroedelirio 06/01/2019

Inicio essa resenha com Ana Rita Ferraz, a responsável pelo prefácio que encontramos nas primeiras páginas do livro O Sonho de Lucas. “Marcelo não mente. Não oferece garantias para saída segura do labirinto. Não há saídas, assim como não há entradas. Ou, por outro modo, são múltiplas as saídas, são infindáveis as entradas. Este é um livro de paradoxos.”

Paradoxal. Sócrates dizia para questionarmos tudo ao nosso redor e eu acho que fiz isso nesse livro. O que é real? A confusão entre o que é verdade ou imaginação só deixa a leitura ainda mais interessante. A narrativa do Marcelo me deixou tão confortável durante a história que eu tive um comodismo, mas esse conforto durou somente algumas páginas, pois conforme as palavras eram lidas eu me deparava com a minha verdade se desmanchar. E foi assim durante todo o livro. Verdade absoluta? Sinto que não há.

Lucas vive com a sua irmã Melissa, sua mãe Katia e o seu padrasto – na verdade a mãe de Lucas é uma amante. Elton, seu padrasto, desaparece sem alguma explicação plausível e é a partir daí que as coisas começam a desandar. Lucas percebe uma responsabilidade cair em suas costas em relação às condições financeiras, que estão cada vez mais precárias, e uma preferência da mãe pela sua irmã Melissa (o que claramente deixa o nosso protagonista pensativo). Em meio a devaneios, pensamentos cobertos de ecos e sonhos que beiram o inusitado, encontramos uma mente delirante.

O sonho de Lucas pode ser analisado de forma ambígua. Temos a aspiração por algo – no caso de Lucas é entrar na faculdade de Medicina – e também a parte freudiana, o ato de sonhar. Nesse caso, me identifiquei muito com a última análise. A minha noite é constantemente marcada por sonhos – óbvio que não são tão problemáticos como o de Lucas –, mas quantas vezes me peguei pensando em uma explicação para determinado devaneio? Como o significado de sonhar que está acordando quando na verdade não está, por exemplo. Qual o significado disso? Há uma coerência para as coisas acontecerem? Qual o porquê de sonhar que a mãe está morrendo? É vitalidade ou falência?

Há uma incerteza durante a narrativa sobre o que está definitivamente acontecendo e o que é um sonho de Lucas, e essa dúvida foi escrita de uma maneira muito delicada, porém com uma veracidade que nos preenche de reflexões. A narrativa faz uma distinção bem clara sobre o que é sonho e o que não é, mas isso não significa que eu não fui enganada, pelo contrário. Começava um capítulo acreditando em determinada coisa, mas no final da página era surpreendida por “então acordei”, e essa foi uma experiência interessante.

O cenário criado por Marcelo é simples e sem muito detalhes. A escrita dele é direta, indo logo no objetivo. Entretanto, a objetividade na escrita não nos poupa da subjetividade em relação ao que os personagens realmente têm e são. Talvez tenha uma pitada de esquizofrenia, depressão ou ansiedade. Não sabemos ao certo porque o livro não há rotulações e isso torna a história ainda mais cativante. A diferença entre a primeira e segunda pessoa na escrita não deixou a narrativa confusa, pelo contrário, a minha leitura com esse livro foi tão fluída que não tive problema algum com isso.

Poderia dizer que o livro é quase um ciclo. Quando cheguei ao final tive a impressão de estar lendo o primeiro capitulo e, realmente, há similaridades. Posso dizer então que o final se tornou um recomeço? Acho que sim.

Fiquei muito surpresa com esse livro. Foram 114 páginas lidas em um dia com muita curiosidade. Indico para quem gosta de leituras enigmáticas e com uma pitada de psicologia. Não espere certezas claras pois buscar o concreto talvez traga ainda mais dúvidas.

site: http://our-constellations.blogspot.com/
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São Paulo 18/12/2018

Resenha do livro “O sonho de Lucas”
Um som continuado ecoa por todo o livro, coisa que para quem já experimentou viver perto de uma casa em obras ou de um prédio sendo construído, pode atestar que é exercício de paciência e de manutenção da sanidade mental.

Ao redor da casa de Lucas há uma obra sendo construída, o barulho de uma obra, não sabemos muito bem como se dá esta obra, somente sabemos que este barulho ecoa pela rua e adentra pela casa, se fazendo onipresente, mesmo quando não mencionada pelos narradores – que no caso deste livro, são múltiplos.

A mente criativa do leitor pode ir além e completar esta falta que poderia ser preenchida pelo uso de onomatopeias, mas que constantemente aparece, quase como se fosse o bater do coração deste conto curto, quando os tormentos da vida atravessam as personagens que habitam a casa de Lucas, e o bate-bate das construções ao redor surgem na narrativa com sutileza.

Poderia ser um sinal de loucura de Lucas? Ninguém menciona as obras ao redor da casa, ninguém acossado por uma vida que sai do script, que abandona os planos, para em um momento para maldizer a obra que se atreve a adentrar em seu drama, quase como se estivesse a rir.

Ou não passaria de um sonho de Lucas?

É muito curioso que mesmo quando a narrativa não se encontra entregue às palavras de seu protagonista que, como numa jamsession, toma do narrador oculto a voz para que ele mesmo possa nos contar seus dramas, os sons da construção não aparecem como algo que ele venha a dar muita atenção, mas ainda assim ela está lá, marcando sua presença.

O sonho do título possui dois sentidos distintos, como notamos ao longo do livro, sonho no sentido de uma aspiração de como levar a vida no futuro, de entrar na faculdade e realizar sua formação profissional, como também sonho no sentido mais psicológico do termo, o ato de sonhar, quando se dorme, ou nem sempre quando se dorme, porque a construção poderia muito bem manter Lucas acordado ao longo da noite, ainda que não saibamos até que horas esta construção continue a todo vapor.

Ler este livro se apresenta como um desafio, mas não um desafio colocado para o leitor de maneira oficial e de imediato, é coisa que aos poucos vai se desenvolvendo em sua maturação do livro, enquanto faz a leitura, ficando bem estabelecido pela narrativa quando Lucas estava a sonhar, quando Lucas estava a dormir, o que somente começa a se confundir um pouco mais a frente.

O desafio não se apresenta necessariamente em descobrir quais passagens são sonho ou quais passagens são a realidade de Lucas, isso parece ter pouca importância para quem lê – e novamente, são passagens bem distinguidas pela narrativa, que diz “estava a sonhar” – o que a maturação da leitura faz questionar é a significação dos sonhos de Lucas.

O imaginário popular, dado a sua cota de psicanálise, aponta certos significados convencionados para determinados tipos de sonho: se uma pessoa sonha com dentes caindo, ou com cobras e aranhas, tudo isso possui um significado em especial, e o nosso exercício de leitores no caso deste livro é de adentrar na mente de Lucas, uma mente cuja interioridade nos é fornecida em seu caráter mais ilusório, apresentando toda sua confusão em conseguir apreender o Agora, que faz perguntar quais seriam as significações dos sonhos de Lucas.

E assim, a confusão com a realidade.

A escrita de Marcelo Vinicius é sempre muito direta, recheada com os diálogos familiares, numa composição dinâmica que abraça o leitor, que mesmo quando entregue à confusão de não conseguir distinguir o que é sonho e o que é realidade – porque nem mesmo Lucas sabe quando é sonho ou quando é realidade – é difícil de abandonar o livro, ou de dizer que sua leitura é difícil.

Esquizofrênica? Sim.

Difícil? Não.

E é precisamente este ponto da escrita dada a contornos realistas que faz de tão sedutora a leitura do livro, quando as palavras são entregues à confusão perceptiva de seu protagonista, quando Lucas passa a dormir acordado, ou quando Lucas sente a sonolência o acuando quando sentado a estudar, ou quando algo de estranho parece acontecer ao seu redor.

Problemas familiares e sua mãe aparece morta, foi ontem ou hoje, não se sabe, como o protagonista do “Estrangeiro”, de Camus, tudo tão tranquilo, tudo tão calmo, ninguém a chorar, os irmãos que tanto dependem da mãe lidam com tudo aquilo de maneira simples, mas – êpa lá! – era apenas um sonho.

Quem sonha com a morte da mãe?

O choque maior aqui não é tanto a descoberta da realidade ou da fantasia dos episódios, se se trata de sonho ou realidade, e sim de conseguir adentrar nesta mentalidade de Lucas, numa narrativa que ganha certa carga de erotismo por meio da convivência deste jovem adulto com as duas mulheres de sua casa – sua mãe e sua irmã.
Não é um erotismo que choque as audiências que tomem em mãos este livro, é um erotismo sutil num aspecto muito próximo do freudiano, quando a carnalidade daqueles corpos se aproximam e se repelem, são ímãs com suas partes de trazer e afastar.

Há um erotismo na relação de Lucas com sua mãe, na relação de Lucas com sua irmã, na relação de Lucas com os monstros que vêm à sua casa, há um erotismo com os sons da construção que chegam aos seus ouvidos e que de alguma maneira se enraízam nos ouvidos do leitor.

Só não há erotismo com Caroline, a menina que Lucas conhece pela internet, por quem se interessa e com quem chega a marcar um encontro. Caroline é uma presença tão alheia quanto a construção ao redor da casa, que nunca se sabe muito bem o que está sendo construído, ou demolido, apenas sabe que está lá.

Ou estaria mesmo?

Na virtualidade das existências, o encontro com Caroline, não feito cara a cara, poderia ser mais um dos eventos ilusórios.

Para quem gosta de solucionar enigmas – sem crimes – eis uma leitura convidativa.
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