Letícia 29/04/2023
O homem moderno crê que, como tudo na sua vida, sua vida espiritual precisa ser prática, com objetivos bem definidos que o levem rápido a algum lugar que nem ele sabe bem onde é. Esta já era a impressão de Guardini quando publicou este livro, em 1918, e nada melhorou significativamente desde então. Há quem o diga, piorou. Por isso, e para este homem, ele busca apresentar os motivos da liturgia ser como é.
É de grande valor observar que, neste intervalo de tempo, alterou-se o missal, com a promulgação pelo papa Paulo IV, no ano de 1969. Nem por isso tornou-se o texto obsoleto, uma vez que a liturgia como princípio fundamental não se alterou, e jamais poderá alterar-se. Se há percepção de ruptura entre os missais, faz-se então ainda mais necessário o entendimento desta ideia central.
Ao longo de todo o livro, e sob diversos aspectos, o autor estabelece o que a liturgia é e o que ela não é, o que ela pode admitir dentro de si e o que a ela não pertence de forma alguma. Os primeiros capítulos, por exemplo, definem que a liturgia “reflete cristalinamente as leis fundamentais, genuínas e imutáveis da sã piedade” (lex orandi, lex credendi) e, sendo assim, com constância e imutabilidade, é afastada toda trivialidade. Estando acima de todos, ela se torna acessível a todos, em todas as épocas e lugares. Assim, quando participamos de uma missa, estamos em comunhão com toda a Igreja (o Corpo Místico de Cristo), com toda a comunidade presente, com os cristãos do mundo todo, e com todos os santos do Céu. Ela não procura enaltecer a individualidade, mas, assim sendo, acaba por formar cada alma que nela vive.
Pode haver quem veja a tudo isto e diga ainda que a liturgia é muito afastada da realidade, que não tem objetivos, que serve apenas à estética, e que o que vale mesmo não é dela participar, mas ser uma boa pessoa. À estas acusações, Guardini responde nos seguintes aspectos: embora o mundo moderno esteja muito ligado à vontade (Ethos), Deus disse ser Verdade (Logos). Deste modo, a liturgia não tem um final prático, tal como o homem moderno o compreende: simplesmente serve a si própria, procurando a Deus na Verdade, nos sentidos de glorificá-Lo e de enobrecer a alma, mas não no de atender a realidade humana cotidiana.
Quanto à estética, embora o essencial da missa careça realmente de muito pouco, o simbolismo torna mais divina e eterna uma realidade que, de fato, não é humana. Como é consequência à procura da verdade, encontra-se também na liturgia a beleza, que não parte de si mesma, embora seja um fim a si mesma. A riqueza da simbologia reflete uma extensão da alma, mais rica do que somos capazes de perceber, ao mundo físico, que podemos perceber e, assim “leva à essência de si mesmo, conduzindo-o finalmente à verdade através da adoração” (papa Bento XVI sobre o mesmo texto).
Assim, Guardini rompe com o pensamento prático moderno, lembrando a este mesmo homem que Deus é imutável e eterno, e que a liturgia da Igreja deve refletir mais a Cristo que ao mundo. Acalmai vossas almas. Se ir à igreja para simplesmente glorificar a Deus parece demais depois de um século de vida errante, tentai pensar nisto de outra forma: como um pai se felicita em ver sua prole brincar, Deus vê-nos quando temos amor pela Sua liturgia.