O Espírito da Liturgia

O Espírito da Liturgia Romano Guardini




Resenhas - O Espírito da Liturgia


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Krauss 09/05/2020

Essencial para quem quer compreender no que consiste a liturgia da Igreja Católica
Guardini escreve seu Espírito da Liturgia objetivando captar mesmo a essência da verdadeira liturgia da Igreja. Discorre em suas páginas sobre dimensão coletiva que liturgia possui, tratando do desenvolvimento espiritual da comunidade dos fiéis. Descreve a liturgia como o culto oficial, público e objetivo da Igreja, exercido pelos ministros por ela escolhidos. É pautada por trechos da Sagrada Escritura, bem como de composições dos santos. Nunca abandonando, entretanto, a verdade, que se expressa num límpido pensamento dogmático que a estrutura. De tal modo que a oração nunca se afaste do credo.
Guardini vê ainda a liturgia como necessitada da cultura para expressar toda a riqueza da verdade nos seus ritos, universalizando a todo crente o leque de sentimentos, imagens e expressões litúrgicas. O fiel se insere nessa complexidade da liturgia como um membro da unidade da assembléia, não sendo ele que fala individualmente a Deus, mas ela. Deve o fiel encaixar-se nela, renunciando seus individualismos e assumindo para si o que é da comunidade. Sem no entanto perder sua personalidade para o coletivo. É necessária uma justa medida, de modo a alcançar Deus com o todo, mas também a pessoa, sem se perder.
O autor vê ainda a liturgia como expressão de um estilo transcendente. Não se trata de um particularismo local. A liturgia é sobre a expressão de uma simplicidade que nos leva ao universal. O particular nos gestos, objetos, paramentos e expressões, culminam todos na manifestação de valores universais. Essa liturgia com seus ritos voltados para o universal no entanto não pode prescindir de uma verdadeira vida de oração pessoal por parte do fiel, que poderá ocasionar da parte dele um ritualismo frio, ou, caso venha a faltar liturgia, numa oração voltada o si mesmo, para suas emoções e necessidades momentâneas que em nada o elevarão a Deus.
E assim Romano Guardini prossegue comparando a liturgia ao simples jogo das crianças. Tal como os jogo infantis, a liturgia não possui uma finalidade prática. Ela existe não para atingir o homem, mas tem por seu fim o próprio Deus. A liturgia tem seu sentido simplesmente no existir para Deus, não há um fim prático à vista. E tal como esses jogos, também a liturgia possui suas regras, que são fielmente observadas para que seja vivida com seriedade e verdadeira alegria. A diferença entre o jogo e a liturgia porém se dá no ordenamento por parte desta pelo Espírito Santo, que molda a Igreja para que ser na terra a expressão do reino de Deus. Esse ordenamento se expressa também na liturgia.
E assim se deixa claro que a liturgia só poderá ser bem vivida e atingir o seu fim, a saber, o próprio Deus, se o homem dela se aproximar não atraído pela beleza de suas composições artísticas ou visando mesmo um fim pessoal, mas sujeitando-se humildemente a santa Igreja que reza na comunidade de fiéis ao Pai, prestando culto de louvor e adoração a Deus. Essa sujeição que se expressa também na passagem: “Procurai em primeiro lugar o reino de Deus e a sua justiça, e tudo o mais vos será dado por acréscimo”. Só buscando a verdade, que é o próprio Deus, que se revelou ele mesmo a nós como o Amor, poderá o fiel ser libertado de seu egoísmo e das suas inquietações causadas pelo espírito dos tempos e viver plenamente o culto litúrgico, encontrando o espaço necessário para sua alma ir de encontro ao Deus Amor.
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Letícia 29/04/2023

O homem moderno crê que, como tudo na sua vida, sua vida espiritual precisa ser prática, com objetivos bem definidos que o levem rápido a algum lugar que nem ele sabe bem onde é. Esta já era a impressão de Guardini quando publicou este livro, em 1918, e nada melhorou significativamente desde então. Há quem o diga, piorou. Por isso, e para este homem, ele busca apresentar os motivos da liturgia ser como é.

É de grande valor observar que, neste intervalo de tempo, alterou-se o missal, com a promulgação pelo papa Paulo IV, no ano de 1969. Nem por isso tornou-se o texto obsoleto, uma vez que a liturgia como princípio fundamental não se alterou, e jamais poderá alterar-se. Se há percepção de ruptura entre os missais, faz-se então ainda mais necessário o entendimento desta ideia central.

Ao longo de todo o livro, e sob diversos aspectos, o autor estabelece o que a liturgia é e o que ela não é, o que ela pode admitir dentro de si e o que a ela não pertence de forma alguma. Os primeiros capítulos, por exemplo, definem que a liturgia “reflete cristalinamente as leis fundamentais, genuínas e imutáveis da sã piedade” (lex orandi, lex credendi) e, sendo assim, com constância e imutabilidade, é afastada toda trivialidade. Estando acima de todos, ela se torna acessível a todos, em todas as épocas e lugares. Assim, quando participamos de uma missa, estamos em comunhão com toda a Igreja (o Corpo Místico de Cristo), com toda a comunidade presente, com os cristãos do mundo todo, e com todos os santos do Céu. Ela não procura enaltecer a individualidade, mas, assim sendo, acaba por formar cada alma que nela vive.

Pode haver quem veja a tudo isto e diga ainda que a liturgia é muito afastada da realidade, que não tem objetivos, que serve apenas à estética, e que o que vale mesmo não é dela participar, mas ser uma boa pessoa. À estas acusações, Guardini responde nos seguintes aspectos: embora o mundo moderno esteja muito ligado à vontade (Ethos), Deus disse ser Verdade (Logos). Deste modo, a liturgia não tem um final prático, tal como o homem moderno o compreende: simplesmente serve a si própria, procurando a Deus na Verdade, nos sentidos de glorificá-Lo e de enobrecer a alma, mas não no de atender a realidade humana cotidiana.

Quanto à estética, embora o essencial da missa careça realmente de muito pouco, o simbolismo torna mais divina e eterna uma realidade que, de fato, não é humana. Como é consequência à procura da verdade, encontra-se também na liturgia a beleza, que não parte de si mesma, embora seja um fim a si mesma. A riqueza da simbologia reflete uma extensão da alma, mais rica do que somos capazes de perceber, ao mundo físico, que podemos perceber e, assim “leva à essência de si mesmo, conduzindo-o finalmente à verdade através da adoração” (papa Bento XVI sobre o mesmo texto).

Assim, Guardini rompe com o pensamento prático moderno, lembrando a este mesmo homem que Deus é imutável e eterno, e que a liturgia da Igreja deve refletir mais a Cristo que ao mundo. Acalmai vossas almas. Se ir à igreja para simplesmente glorificar a Deus parece demais depois de um século de vida errante, tentai pensar nisto de outra forma: como um pai se felicita em ver sua prole brincar, Deus vê-nos quando temos amor pela Sua liturgia.
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