Manu 23/06/2015
Eu nunca tinha ouvido falar de Patricia Highsmith até o Festival de Cannes deste ano.
Pera, peraí. Livro? Festival de cinema? Como assim? Assim: entre os filmes da mostra competitiva, que disputavam a Palma de Ouro, estava Carol – adaptado então do livro que é o tema da resenha de hoje. Ah, bom, agora sim. Como o filme foi muito bem recebido por lá, tem a musa Cate Blanchett no elenco e ainda rendeu o prêmio de Melhor Atriz à Rooney Mara, mas só tem previsão de chegar aos cinemas no final do ano, resolvi tirar um tempinho pra ler a obra que lhe deu origem.
Patricia Highsmith, quem iniciou a carreira na década de 1940, ficou famosa por "O talentoso Ripley", "O sol por testemunha" e por seus thrillers criminais, principalmente "Strangers on a train" (aqui, "Pacto Sinistro"), que foi parar nas telonas dirigido por ninguém menos que Alfred Hitchcock. Mas não, Carol não tem nada a ver com romance policial, só romance mesmo, desses de amor e beijo na boca: é a ovelha colorida da família por ir contra a maré do seu estilo marcante, rotulado depois como uma "literatura cult lésbica". Publicado originalmente como "O preço do sal" e sob pseudônimo, pelo contexto ultraconservador da época, Carol alcançou sucesso somente um ano depois, com a venda de quase 1 milhão de exemplares.
A sinopse (ufa): "Nova York dos anos 50. Therese Belivet tem 20 anos, namora um rapaz por quem não está apaixonada, sonha em ser cenógrafa, mas, para juntar dinheiro e estudar, precisa manter seu trabalho entediante como vendedora numa loja de brinquedos. Tudo em sua vida muda quando uma mulher mais velha e muito gacta chamada Carol resolve comprar uma boneca para sua filha nesta mesma loja."
Toda a história é contada sob o ponto de vista de Therese, fazendo de Carol uma personagem misteriosa até mesmo pra nós, leitores. Sabemos explicitamente o que acontece com Therese, o que a faz querer rever aquela mulher elegante que entrou na loja, o que a atormenta; mas, quanto a Carol, tentamos entender suas emoções através da sutileza de seus gestos requintados, sua relação com a filha, o ex-marido, a amiga Abby e a vontade de passar o tempo com Therese, por mais que ambas sejam de classes sociais e personalidades tão diferentes.
Há uma passagem que achei muito interessante por julgar ser uma metáfora do sentimento que ela estava desenvolvendo por Carol. Quando Therese e Richard, o namorado, saem para empinar pipa, é como se o objeto fosse uma analogia a esse amor impensável: ele pode voar alto à medida que ela, literalmente, dá corda, ao mesmo tempo em que se sente contida pelo medo e repressão da sociedade daquele período. Por isso que, quando Richard acaba fornecendo toda a linha que podia para a pipa, quase como uma permissão, Therese fica chorosa e irritada ao fim da cena: ela está assustada.
(Pode não ser nada disso, mas prefiro pensar que é. Me deisha.)
“Carol” tem, sim, alguns problemas. A narrativa é mediana, lenta e muitas vezes confusa, pois troca de cena rapidamente sem que a gente perceba, não permitindo ao leitor imaginar com riqueza o que está acontecendo. Um exemplo grosseiro: Therese está tomando café, diz alguma coisa, e na próxima linha já foi dormir. O que aconteceu entre os dois momentos é você quem deduz. Em compensação, há passagens líricas muito bonitas e delicadas, principalmente quando Highsmith descreve o amor devoto de Therese em relação a Carol.
O que mais gostei foi o retrato de duas mulheres independentes que sabiam o que queriam em uma época em que o machismo e a homofobia reinavam muito mais do que hoje em dia. Ainda que expressados de forma mais subjetiva, o preconceito e a libertação sexual estão lá, lutando entre si, enquanto vemos Therese desabrochar através da forma como ela lida com o que se passa dentro dela. "Carol" ainda conta com um desfecho surpreendente para o contexto da história, o que também me agradou bastante.
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"Era uma pessoa diferente daquela que estivera ali três semanas antes. Naquela manhã acordara na casa de Carol. Carol era como um segredo espalhando-se dentro dela, espalhando-se dentro daquela casa também, como uma luz invisível a todos, menos a ela."
"– Eu amo você. – Therese disse, só para ouvir as palavras. – Amo você, amo você."
site: http://www.vemaquirapidao.com/2015/06/carol-de-patricia-highsmith.html