DIRCE 30/04/2015
Apocalíptica
Existem vários autores que me atemorizam e Tomaz Mann figura( ou devo dizer figurava entre eles?), entretanto, fui tentada ler “ A Morte em Veneza” ao saber que essa obra havia sido escolhida para discussão no Clube do Livro “ A sociedade literária”.
Apesar de ser um livro de apenas 128 páginas (no caso do meu exemplar) e de proporcionar uma leitura fluida, não posso dizer que achei de fácil entendimento, portanto... Portanto, já deu para sentir o drama: não vai prestar.
Disse Mário Quintana em seu poema seiscentos e sessenta e seis:
A vida é uns deveres que nós trouxemos para fazer em casa.
Quando se vê, já são 6 horas: há tempo…
Quando se vê, já é 6ª-feira…
Quando se vê, passaram 60 anos…
Agora, é tarde demais para ser reprovado…
E se me dessem – um dia – uma outra oportunidade,
eu nem olhava o relógio
seguia sempre, sempre em frente…
E iria jogando pelo caminho a casca dourada e inútil das horas.
Não houve meios de eu deixar de associar esse poema ao meu entendimento do livro. Um poema tão, mas tão existencial. E não é possível falar sobre a existência sem falar sobre ele : O TEMPO. Ah! O tempo. Esse algoz tão fugaz . Quando se vê, já é 6 ª feira...Esse algoz que sente prazer em ser repetitivo - tal qual nosso dia a dia, tal qual nossos erros. Vivemos nossos dias de acordo com as convenções estabelecidas presos a coisas supérfluas e quando nos damos por conta...
Aschenbach também teve uma vida presa às convenções. Levava uma vida sistemática, dedicada à escrita e tão ocupada (conforme suas palavras) com as tarefas que lhe empunham seu EU e a alma européia; demasiadamente sobrecarregado pelo dever da produção (pag. 23), porém, ainda assim ou quem sabe por culpa dessa vida tão comedida, se viu desprovido da sua capacidade criativa. Em uma tarde infrutífera ele sai em busca de novos ares , ocasião em que depara com um viajante de aparência, no mínimo, estranha. A figura do estranho causa desconforto em Aschenbach e ele atribui esse desconforto ao desejo de viajar. Ansioso por liberdade, deixa a rotina de lado e se deixa levar pela aventura. Após momentos de incertezas, ruma à Veneza, e o cúpido, que devia estar inclinado para brincadeira, prega-lhe uma peça. Tudo parece indicar que Aschenbach foi tomado por uma paixão avassaladora pelo belo jovem Tadzio , mas, euzinha, entendi que Aschenbach se apaixonou pela juventude e beleza do “deuso” . Juventude que lhe esvaíra pelos dedos face o tique-taque implacável do relógio. Beleza - uma “virtude” que lhe foi negada.
Mas, entretanto, todavia, contudo, o relógio ( o tempo) é o inimigo mor do homem. Ele é impiedoso com quem o trata com indiferença. Novas oportunidades? Nem pensar. Ele não só não as concede como parece ficar à espreita para se vingar. A vingança do “relógio” é cruel : chega o dia em que ele simplesmente PARA. .
Sinto-me tentada a dizer que narrativas muito minuciosas possuem o mérito de me enfastiar, porém um dos pontos altos da obra é a sua narrativa. Feita na terceira pessoa ( o que muito me agrada) ela é rica em detalhes e muitos deles se assemelham à alegorias que muito contribuíram para uma leitura prazerosa e para meu engrandecimento, e que também me permitem afirmar que “A Morte em Veneza” tal qual o poema de Quintana é Apocalíptica
PS: A Paulinha deixou um link no Grupo com uma advertência de spoiller. Agora, após tecer meus comentários, vou conferir. Deixo o link. Caso algum leitor tenha interesse...
https://www.youtube.com/watch?v=YACCGqpZZBQ