spoiler visualizarKatAudaz 14/02/2024
Capa fantástica, ideia boa, resultado irregular
Esta é uma resenha que escrevi num grupo do aplicativo Habitica em 2022, como parte de um desafio de leitura. O Habitica é um aplicativo de gamificação de tarefas e hábitos, e foi o responsável por eu retomar o hábito de leitura pra valer após anos lendo apenas esporadicamente.
A resenha é dos dois Gibi de Menininha (sim, tem o 1 e tem o 2), mas, como de costume, pendurei a resenha no volume 1
Aqui vai a resenha:
Gibi de Menininha - Historietas de Terror e Putaria - várias autoras
Essa leitura nasceu de um dente quebrado. Uma semana excepcionalmente tensa no trabalho me fez quebrar um dente. Eu faço isso às vezes: fico rangendo os dentes sem perceber, por stress ou dor, e, depois de um tempo, acabo quebrando uma cúspide. Eu já durmo de placa de mordedura. O próximo passo, segundo meu dentista, é usar a placa de mordedura durante o dia.
Pois bem, esse dente quebrado me levou a uma visita ao dentista. E perto do dentista tinha aberto uma loja nova de quadrinhos que, claro, eu tive que visitar depois da consulta. E lá eu encontrei as HQs Gibi de Menininha - o volume 1 e o volume 2.
As capas, ousadas, da Camila Torrano, me chamaram a atenção. Li a contracapa: as HQs eram coletâneas de terror com um toque de erotismo (ou putaria, como diz a organizadora, Germana Viana) feitas por duplas criativas de mulheres. Quadrinhos de terror não são muito a minha praia, mas eu gosto de dar uma força ao quadrinho nacional, e fazia tempo que eu não comprava nenhuma HQ brasileira. Além disso, gostei do desenho de algumas histórias, e alguns nomes eu já conhecia e sabia que eram boas quadrinistas. O volume 1 ganhou o Troféu Ângelo Agostini de Melhor Lançamento de 2018 e o Troféu HQ Mix de Melhor Publicação Mix de 2018. Tudo isso me convenceu a comprar os dois volumes e a fazer um desvio de rota na minha lista de leitura e incluir os dois Gibi de Menininha.
Pelo que entendi, a ideia da HQ nasceu da queixa de algumas autoras, que eram criticadas por trabalharem com quadrinhos e ilustrações com temática de terror. A capista Camila Torrano, por exemplo, já ouviu de um chefe de arte, ao examinar seu portfólio, que apesar de suas ilustrações serem boas, ela deveria trabalhar com coisas “fofas”, já que é mulher. Isso virou uma ideia de fazer um “gibi de menininha” e terminou virando dois projetos de quadrinhos, com financiamento via Catarse.
Germana Viana co-escreveu histórias e organizou a obra, chamando roteiristas e desenhistas mulheres e organizando-as em duplas.
O resultado? Uma interessante e contemporânea homenagem aos quadrinhos de terror estilo “Contos da Cripta”, com direito a anfitriã (uma carismática súcubo loira gorda dominatrix) que apresenta as histórias fazendo piadinhas. Como não podia deixar de ser nesse tipo de projeto, o resultado é irregular: algumas histórias são ruins, outras boas, algumas ótimas. De um modo geral, a arte se sai melhor que o roteiro - que tem a atenuante de ter que trabalhar com os temas de terror e erotismo em um número limitado de páginas. Em revistas periódicas de contos de terror, o número limitado de páginas ajudava os desenhistas a cumprirem seus prazos. Um recurso muito usado era colocar um narrador explicando as partes da história que não caberiam em quadros, ou que não teriam tempo de ser produzidas. As autoras dispensaram esse recurso, o que em alguns contos dá a impressão de que a roteirista poderia ter dito muito mais para tornar a história melhor.
No volume 1 as histórias vão do regular ao bom. A melhor é "Amarrados", de roteiro de Camila Suzuki e arte de Germana Viana, que trabalha bem terror e humor na temática bem moderna da história de uma mulher que não conseguem deixar para trás um boy-lixo. Destaco também "Para Sempre", com roteiro de Germana Viana e arte de Renata CB Lzz, uma bem-pensada e aterrorizante sequência para o conto de fadas "A Pequena Sereia" (versão do Hans Christian Andersen, não da Disney, claro). Assim como no conto de fadas, sabemos que "Para Sempre" não vai acabar bem, e que a única que sempre ganha é a Feiticeira do Mar. Mas faço uma ressalva: para entender a história, é preciso conhecer a versão original de "A Pequena Sereia".
O volume 2, com temática de faroeste, é piorzinho, mas destacam-se “Sob Nova Direção”, com roteiro de Dane Taranha (que a rigor é radialista!) e arte incrível de Sueli Mendes, com ecos de “Homens de Boa Fortuna”, do Neil Gaiman, e “Mato a Cobra e Mostro o Pau”, de Milena Azevedo e Juliana Loyola, que em míseras dez páginas cria uma protagonista pela qual vale torcer.
Conclusão: Gibi de Menininha é uma boa compra para quem quer conhecer o trabalho das mulheres na cena atual dos quadrinhos brasileiros, ou para quem curte terror, em especial quem curte revistas de contos curtos de terror. Mas não vá esperando nenhum Hellraiser do Clive Barker (ou Hellblazer do Jaime Delano), mas sim algo como um número bem digno de Contos da Cripta.
P.S. Algumas semanas depois de ter publicado esta resenha no Habitica, me lembrei que eu poderia ter citado um “gibi de menininha” de terror que fica no mesmo nível, ou até superior, ao Hellblazer e ao Hellraiser: Sala Imaculada, da roteirista Gail Simone, com arte e cores de Jon Davis-Hunt e Quinton Winter. Se quer uma HQ de terror de alta qualidade escrita por uma mulher, esse é o título que eu recomendaria sem erro.