O sagrado coração do homem

O sagrado coração do homem Michel de Oliveira




Resenhas - O sagrado coração do homem


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Peleteiro 18/06/2020

Cáustico e necessário
Creio que este é o melhor livro brasileiro de contos que li desde Rubem Fonseca. A forma com que o autor conseguiu contemplar diversas perspectivas sobre um mesmo tema de maneira genuína é magistral. O livro é um verdadeiro escárnio ao machismo. Um cáustico ensaio sobre a condição de poder masculino.

Aqui, as corrosivas críticas ao homem não são apresentadas de maneira didática e evidente, mas através do descortinar da hipocrisia. Não é dito aquilo que ele está cansado de ouvir, mas o que ele se recusa a encarar sobre si próprio. Sem dúvidas, uma leitura incomoda e provocante para qualquer indivíduo, sobretudo do sexo masculino, que em alguns momentos encarará o livro como um revelador espelho.
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Alexandre Kovacs / Mundo de K 03/02/2019

Editora Moinhos - 164 Páginas - Capa: Sérgio Ricardo - Lançamento: 2018.

Os contos do escritor e jornalista sergipano Michel de Oliveira, guardam entre si a mesma referência temática, uma tentativa de desconstrução do modelo clássico de masculinidade, como foi idealizado ao longo do tempo, por meio da religião, ciência ou das artes em geral. Na verdade, o autor demonstra como o comportamento do homem nem sempre refletiu a moralidade e a suposta grandeza de caráter da qual tanto se orgulha, muito pelo contrário, agindo na sociedade como uma ameaça para a preservação da própria espécie, alguns representantes do gênero masculino agridem os seus semelhantes e o meio ambiente em que vivem, como constatamos nos flagrantes e vergonhosos atos de misoginia, homofobia e violência em nosso cotidiano.

Os contos são apresentados em uma espécie de analogia com os textos bíblicos o que, como se já não bastasse a provocativa capa – que mostra um "detalhe" característico da estátua David de Michelangelo de cabeça para baixo –, bastante arrojada para os protocolos e algoritmos caçadores de perversões das nossas redes sociais, poderá provocar a reação de grupos que têm demonstrado grande preocupação com a moral e os bons costumes, notadamente na esfera política atual brasileira. Já no primeiro texto o autor deixa clara a linha narrativa que será desenvolvida em sua ficção, apresentando com muita ironia o homem e a mulher com traços bem marcantes, as fêmeas (antes de se chamarem mulheres) "movidas pelo instinto animal de preservar a vida" e vivendo em função dos ciclos da natureza, os machos (antes de se chamarem homens) como um "mal necessário à perpetuação da espécie".

"Ajuntavam-se num recôndito protegido por árvores de densas copas. Quase mulheres, pois ainda não eram. Por algum acidente inexplicável, traziam crias inacabadas nos braços. Ao contrário das coirmãs macacas, cujos filhos aos pelos se agarravam tão logo vinham ao mundo, os nascidos das aberrações primatas eram inaptos. Aquelas quase mulheres, movidas pelo instinto animal de preservar a vida, foram obrigadas por seus filhotes moles a esperar. [...] Passadas muitas estações, firmaram sofisticados vínculos. Elas habilitaram o prenúncio da linguagem, observaram os ciclos da Natureza, perceberam a gestação das plantas, intuíram a fertilidade do solo, dominaram o fogo, criaram os artefatos elementares, estabeleceram os primeiros ritos, se deram conta da morte com filhotes inertes nos braços. [...] Os machos da espécie viviam na ronda dos bandos organizados de fêmeas, comiam os restos, aproveitavam os sobejos e se apropriavam dos despojos. Apresentavam desenvolvimento menos acentuado, com linguagem e contatos rudimentares, além de utilizar artefatos defasados em relação às quase mulheres. Eram um risco, agrediam as fêmeas se sozinhas e podiam devorar-lhes os filhotes. [...] Eles se especializaram na violência, pouco cooperavam com o desenvolvimento da espécie. Ao contrário, eram a primeira ameaça. Viviam isolados, competiam entre si, em parcerias pouco duradouras, para atacar alguma presa ou saquear o que as quase mulheres cultivavam. Mantinham-se à espreita, eram mal necessário à perpetuação da espécie." - Antes de Deus (Págs. 11 e 12)

Nesta sua segunda antologia de contos, depois da elogiada estreia com “Cólicas, Câimbras e Outras Dores” (Editora Oito e Meio, 2016), finalista do prêmio Sesc de Literatura, Michel de Oliveira mais uma vez não foge das polêmicas que o seu livro possa provocar e aborda temas delicados, principalmente quando desnuda o homem, não nas grandes lutas ou fracassos, mas na pequenez da sua transitoriedade, na fragilidade diante do mundo, no pavor de falhar ou na eterna aversão pelo ridículo. Me ocorre uma comparação com o famoso trecho do poema em linha reta de Fernando Pessoa: "Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas, / Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo."

"Deus, como não compreendo Sua grandeza, ajude-me a entender, ao menos, minhas limitações. Que é o homem? Angustia-me não ter resposta, sem saber que é o homem, torno-me incapaz de estar em mim. [...] Vi um homem descalço, dormindo sobre colchão sujo. É ainda homem? Sim, era um homem descalço. Homem, ainda que descalço. Estar descalço faz dele menos homem? Ou estar calçado faz de mim aquém do homem? Importa estarem calçados ou descalços, ou que sejam pés? Talvez o homem se defina por ter pés, estejam no chão ou resguardados em sapatos. Mas não, ainda que faltem pés, continua a ser homem. Então o homem não se faz de completude. Mesmo a faltar pedaços, é ainda homem. [...] Será o homem feito de sua dor? Ou será homem aquele que causa dor? Ajude-me a encontrar respostas, não há maior agonia que desconhecer a si mesmo. Tu, Deus, podes bradar: Sou o que Sou. A mim, resta questionar: o que sou? São os homens a sobra de Ti ou atestados de Sua incompletude?" - Lamentações - O Velho Novo Testamento (Págs. 63 e 64)

Poderíamos argumentar sobre a necessidade de uma abordagem mais humanista e menos polarizada na questão de machismo ou feminismo, no entanto, como homem, não posso evitar o sentimento de vergonha ao constatar como nós, irmãos de gênero, contribuímos negativamente, seja no campo pessoal, político ou profissional para a proteção e desenvolvimento da nossa própria espécie e sendo, ao contrário, uma das suas principais ameaças. Um livro original e muito oportuno para refletir sobre o nosso tempo. Algo me diz que ainda ouviremos falar muito neste assunto, durante o ano e também nos próximos.

"Homens são dirigidos por seus falos. A pequena enguia de carne flácida governa o corpo. É o cetro ativo que enrijece a sensação de poder e força. Único pedaço de sensibilidade; porção vulnerável num corpo hermético, de armadura, blindado. É pelo pau que os homens choram. Pobre homem, cuja medida se resume a poucos centímetros do que se mostra. Uma mulher não se mede, desbrava-se em profundidades." - Via-crúcis do macho - Terceira estação: o homem e suas medidas - O Novo Velho Testamento (Pág. 80)

Michel de Oliveira é natural de Tobias Barreto, Sergipe. Vive em Porto Alegre, onde cursa o doutorado em Comunicação e Informação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
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Vitoria 05/12/2021

O sagrado que habita entre as pernas
Da gênesis ao apocalipse, a via-crucis do macho passa por medidas, pudores, silêncios, angústias, desejos.

E é por esses caminhos que os contos de Michel se delineiam. As histórias de André, Tiago, João e Filipe e tantos outros ilustram facetas do machismo de todo dia. De diferentes vivências masculinas dentro da estrutura patriarcal, impactadas pela cor da pele, orientação sexual, dimensões do sagrado coração que os habita entre as pernas. E de como isso se reflete nas mulheres que os rodeiam. Em todos os textos, a presença de uma deliciosa ironia, ao mesmo tempo real e caricata.

O livro estava na minha lista de desejos, inspirada pela indicação de @camillaeseuslivros para a temática de masculinidade do #lendoescritoresnegrosbrasileiros. Valeu demais a leitura!
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Jefferson Vianna 08/03/2023

Uma breve sátira ao machismo e ao ilusório poder masculino...
Nada. Absolutamente NADA é tão mais frágil quanto a masculinidade. É semelhante ao cristal, basta olhar e logo se espatifa em milhões de pedaços. Este é o tema central do livro "O sagrado coração do homem". O autor busca expor as raízes do machismo em sua totalidade, através de contos que remetem aos personagens e as passagens do livro sagrado. Uma verdadeira sátira ao machismo e ao ilusório poder masculino que existe desde os tempos primórdios. O autor escreve com maestria, sua escrita é clara, objetiva e muito bem construída. Um dos meus quotes favoritos: "Homens são dirigidos por seus falos. A pequena enguia de carne flácida governa o corpo. É o cetro ativo que enrijece a sensação de poder e força. Único pedaço de sensibilidade; porção vulnerável num corpo hermético, de armadura, blindado. É pelo pau que os homens choram. Pobre homem, cuja medida se resume a poucos centímetros do que se mostra. Uma mulher não se mede, desbrava-se em profundidades." ´pag. 80. Leitura recomendada..
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Ana Aymoré 12/07/2019

A fragilidade do sagrado
"[...] pronuncio-me como traidor, para corroer por dentro [...]. Você, homem branco, sentir-se agredido só mostra a pertinência da teoria. Estamos acostumados a gritar, bater e fazer calar quando algo nos atinge [...]. Saber o que dói na gente é fácil. Difícil é saber o que a gente dói no outro. E homens, em especial brancos, não se importam com as dores do mundo, pois são os causadores da maioria delas."
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Através da tese do geneticista lituano Bezdzione, Michel de Oliveira (em modo satírico) apresenta o que se constitui no fio condutor que atravessa seus contos: a crítica à supremacia do homem branco, cristão e ocidental em nossa sociedade, constituída de modo a favorecer a todo custo - e com custos altíssimos - essa hegemonia da potência destrutiva.
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Dividido em duas partes que dialogam intertextualmente com a Bíblia (o que o aproxima de um de meus contistas favoritos, Murilo Rubião), respectivamente com o velho e o novo testamentos, Oliveira percorre os dilemas, fracassos, carências, fragilidades, mesquinhezas e perigos subjacentes a essa construção da virilidade em diapasão heroico e violento. Cada conto é pensado como ressemantização de episódios cruciais na narrativa dos patriarcas e profetas hebreus (na primeira parte) e da persona dos apóstolos precedida por cada uma das estações do calvário de Cristo (na segunda). Além dessa referência mais ostensiva, os contos do autor sergipano também remetem, mais pontualmente, a outras igualmente significativas, como a contística de Rubem Fonseca e O Ateneu de Pompeia. Embora o resultado dos contos lidos individualmente tenha alguma irregularidade, o conjunto expressa de forma memorável - e imprescindível no nosso contexto de ascensão dos grupos de supremacia masculina, bolsonaristas e incels - as fissuras da sociedade patriarcal.
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O cuidado da editora Moinhos com os elementos gráficos que sustentam o objeto-livro também merecem destaque, em especial a bem boladíssima capa de Sérgio Ricardo. Em contrapartida, há alguns (poucos mas perceptíveis) problemas de revisão, que poderiam ser observados no caso de uma nova tiragem.
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Ivandro Menezes 31/12/2019

Teologia do frágil macho moderno
Os contos de O sagrado coração do homem invocam uma teologia. Apropria-de da divisão bíblica entre Velho e Novo Testamento para refletir, em tons sínico e realista, as inflexões do machismo, do patriarcado e das fragilidades masculinas.

Ora, reduzidos ao pau, o real coração do homem, faz do falo arma, guerra, medo e conquista. Mesmo o esforço de fazer-se outro (como em Judas, o traidor), ao fim, permanece o mesmo, dominando em desculpas, ausências e violência.

Michel de Oliveira transita entre o politicamente engajado e o satírico. Alguns contos da primeira parte, confesso, trouxeram-me um certo pé atrás, dada a obviedade da crítica e militância em torno da causa. Também me incomoda essa oposição dos gêneros a sacralizar o feminino e profanar o masculino, sem fazer menção às intercessões cinéreas que há entre ambos. Porém, isso não torna o livro menos interessante (ou ruim), torna-o instigante e curioso. E quando se avança se mergulha num divertido, às vezes carismático, noutras caricato, retrato do macho moderno.

As gargalhadas e os constrangimentos despontam por todos os lados e a honesta evolução do autor confunde-se com a evolução da própria obra. A escrita flui, avança, incorpora novos elementos. Se nas primeiras páginas sente-se um autor comedido e ainda tímido, à medida que avançamos vemos emergir um outro mais seguro de si, confiante e robusto.

Em sua teologia vai amarrando as pontas soltas, estabelecendo links, sistematizado as crenças. Em sua escatologia o homem finda como veio. O sagrado revela-se fêmea, num arrebatamento surpreendente e alicerçado num Deus que finalmente faz justiça. Resta ao homem o próprio homem. E de quem nunca aprendeu a força da delicadeza resta-lhe apenas o abandono à própria fúria. Nesse espetáculo sombrio da história, mulheres são uma equilibrada sinfonia; aos homens, o monocórdico tom grave da guerra.
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Fabi 21/10/2023

Achei um pouco exagerada a autocrítica sobre machismo e comportamentos dos homens. A tentativa de trazer as fragilidades masculinas pecou no clichê e no genérico.
Ainda assim, vale a menção ao ?Bartolomeu? e seu cy - pelas gargalhadas.
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