Queria Estar Lendo 26/03/2019
Resenha: Lady Killers: Assassinas em Série
Lady Killers: Assassinas em Série é uma espécie de mega-biografia escrita pela autora Tori Telfer. Lançada pela editora DarkSide, suas 384 páginas falam sobre assassinas em série que, diferente dos seus paralelos de outro gênero, foram esquecidas pela História.
Seguindo uma linha não-cronológica, Tori divide o livro entre vários capítulos e dedica cada um deles para mulheres que fizeram história mas são esquecidas por ela. Assassinas em série que viveram em séculos medievais ou até cinquenta anos atrás e cometeram tantas atrocidades quanto os homens, mas não são lembradas por elas - e, quando são, acabam caindo em estereótipos sexistas. Sim, até assassinas em série não estão livres disso.
Lady Killers se mostrou a leitura que eu queria: informativo, com uma pitada de sarcasmo e deboche em relação às posturas sexistas das épocas descritas e extremamente interessante. A autora se dedica a falar sobre quatorze assassinas em série que se espalharam pelo mundo e pelos períodos históricos.
Os paralelos feitos por Tori quando distante de fatos e detalhes acrescentaram em muito a riqueza narrativa que o livro entrega. São comentários pertinentes que, mesmo dentro do cenário horrendo do universo de assassinas, falam sobre a vivência das mulheres e o modo como o mundo olhava para elas - fossem elas vítimas ou carrascos.
Como estudante de História, é tranquilo comentar o quanto o passado apaga suas mulheres. Feitos grandiosos de figuras femininas são esquecidos por menos; por que com criminosas seria diferente? O que choca em relação a assassinos em série muito divulgados é o que também existe nos feitos terríveis dos nomes apresentados nesse livro, então por que a diferença? Por que a história se lembra de Ted Bundy e raramente menciona Mary Ann Cotton? O que há de tão diferente entre os feitos assombrosos de Jack, o Estripador e da Condessa Sangrenta?
"Alguns dizem que Jack, o Estripador, foi o primeiro assassino em série da Inglaterra, mas isso acontece apenas porque outros foram esquecidos. Cerca de quarenta anos antes de Jack aparecer, a Inglaterra sofreu com uma terrível série de assassinatos [...] Pessoas cometeram crimes pelo seguro de vida ou para ter uma boca a menos para alimentar. Essas pessoas foram capturadas. Eram mulheres."
A biografia dessas quatorze mulheres - e de outros nomes citados na edição especial da DarkSide - é de arrepiar. Foram criminosas impassíveis, frias, sanguinárias à sua maneira. Construíram legados de décadas e dezenas de assassinos antes de serem descobertas, ou viveram seus reinados de absoluto terror para serem capturadas por um deslize.
Nannie Doss, por exemplo, apelidada de Vovó Sorriso, usava sua doçura e gentileza para seduzir pretendentes e suas tortas envenenadas para mandá-los para o túmulo. Mary Ann Cotton era uma mulher comum até que se tornou uma assassina de seus muitos maridos e crianças. Elizabeth Báthory (a Condessa Sangrenta, talvez uma das mais conhecidas), carregou seu título de nobreza mesmo depois que seus crimes hediondos foram cometidos. Protegida pela coroa e pelo nome, espalhou terror sobre servas e donzelas que buscavam refúgio em seu palácio. No velho oeste, onde não havia lei e as fronteiras ainda estavam sendo definidas, uma família fundou uma hospedaria, onde a filha mais nova - Kate Bender - atraía viajantes para degolá-los e enterrá-los no esquecimento dos jardins da propriedade.
A história de cada uma dessas mulheres é marcada pela solidão e pela frieza, pelo anseio de matar - motivadas por traumas ou por sua intrínseca crueldade - e, na maioria delas, por um desfecho com a investigação, julgamento e sentença. Algumas foram protegidas pela lei, outras foram desacreditadas até que o horror se provou verdadeiro, outras foram colocadas frente à revolta do povo e sentenciadas ao esquecimento em prisões ou mesmo à morte.
""[...] a imagem que Nannie criara com tanto cuidado: a de uma avó alegre e bem-humorada, que flertou com policiais, sorriu para a imprensa e fez piadas com toda aquela situação estúpida"."
Um comentário interessante levantado pela autora é como, quando se fala de mulheres assassinas, a luxúria sempre aparece como um dos pontos principais da sua realidade; como o apetite sexual sempre está relacionado aos seus nomes, mesmo quando os crimes se distanciam disso - quando a vida da própria figura estudada se distancia disso.
Uma mulher não pode ser simplesmente uma assassina em série. Ela precisa de um arquétipo, de uma justificativa do porquê se afastou da "natureza passiva e amorosa a qual todas as mulheres estão sujeitas", como a visão sexista de figuras femininas sempre impera. Elas não podem ser apenas movidas pela frieza, pela crueldade ou mesmo por traumas passados como os muitos assassinos em série que se conhece a respeito; mesmo a elas é negada a humanidade.
"As pessoas têm infinitos truques nas mangas para minimizar a violência feminina: desumanizam assassinas em série, comparando-as com monstros, vampiros, feiticeiras e animais; erotizam-nas até que pareçam mais inofensivas. Essa negação é exatamente o motivo de muitas avós simpáticas terem conseguido matar durante décadas."
A edição da Darkside, como sempre, está um espetáculo. Essa capa se tornou uma das minhas favoritas da editora e toda a diagramação colorida enriquece a leitura; as ilustrações são marcantes, os dados e acréscimos que a própria editora fez - citando outras quatorze damas fatais além daquelas estudadas pela autora.
"Se os crimes refletem os anseios de seu tempo, então atualmente estamos na era do assassinato em massa, do terrorismo. Nossos desejos violentos ainda nos levam a desfechos violentos, mas os desfechos mudam conforme as décadas vêm e vão."
Lady Killers foi uma obra fantástica do início ao fim. Elucida muito sobre o modo como a História trata suas mulheres. Os capítulos biográficos são recheados de informações. Mesmo as assassinas que se perderam em seu período, que não foram tão documentadas e acompanhadas pela mídia e pela justiça, recebem a devida atenção da pesquisa de Tori; junte a parte informativa com os comentários da autora e terá um grande arquivo de análise criminal.
É rápido de ler e serve pra assustar tanto quanto para levantar questionamentos a respeito do tratamento que a sociedade estabeleceu até mesmo para assassinas sanguinárias.
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