Giovanna1664 21/04/2024
Saudosismo e impotência.
Kazuo sempre me traz sentimentos muito conflitantes em suas obras. Acho que é mais por conta da forma como ele as conta parece que está te colocando dentro das entranhas da história, mas não de uma forma acelerada cheia de plot twists ou reviravoltas, mas de uma forma suave, branda e tocante.
A leitura dele é para aqueles que admiram o pequeno, o suave, as entrelinhas, o desenvolvimento das vidas narradas. É sobre indagar a importância das memórias, dos laços e tentar entender o que nos torna humanos, seres com alma, conscientes e vivos. E esse é o maior questionamento que resta ao final desse livro. O que nos torna seres humanos?
Aqui acompanhamos a história de Kate e seus dois amigos, Tommy e Ruth, crianças que crescem juntas em Hailsham e são ensinadas com o único objetivo de no futuro doarem seus órgãos a outras pessoas. Essa informação tão crucial é nos fornecida no início e sem muitas explicações somos jogados as coisinhas do cotidianos, lembranças de Kate enquanto criança/adolescente quando ainda não era ciente de toda conjectura, vemos então suas meninices, amizades, medos, paixões e nos afeiçoamos a ela, mesmo que se perguntando se tanta ladainha teria sentido, ler tantas memórias afetivas queridas por outro alguém, enquanto fica as cegas de onde eles vieram, qual o real objetivo disso, como tudo começou e etc.
Mas é aí que mora as respostas de tudo, um ser humano é composto de alma, e sua alma é formada por suas experiências e lembranças, como poderia então entendermos o dilema da criação desses seres se não vissemos suas almas desnudas e percebessemos que somos impotentes quando eles são taxados como coisas e não pessoas, hostilizados e segregados, alienados ao ponto de achar que sua única função é doar até a morte. E essa trama se enreda de tal forma que é impossível não se sentir menos humano quando Kate embala seu bebê imaginário ou então quando Tommy grita após perceber que não há alternativa, eles nunca teriam a chance de viver. E essa é a segunda sensação principal, a impotência. É saber que não há nada mais a ser feito.
E então no final só restam as memórias e Kate, e sua alma cheia de pessoas, lugares e memórias vagando, lembrando e amando. Não como um clone mas como ser humano individual, único e vivo cumprindo sua função até o fim dos seus dias.
Kazuo traz então uma enxurrada de emoções de novo para mim com sua escrita calma e limpa, me fazendo novamente pensar sobre a importância das lembranças, de se viver ao máximo, de amar enquanto há tempo e entender que o amor não é tão simples.