Lethycia Dias 22/01/2019Sobre inérciaMatías Kovac é um jovem sem muita perspectiva vivendo em um lar desestruturado. Na infância, sofreu abuso sexual pelo pai, que depois abandonou a família para se casar novamente. A irmã, casada com o maior traficante local, desfigurou o próprio rosto ao tentar suicídio quando soube da morte do marido. O irmão que foi para Barcelona e há muito tempo não manda notícias, e deixou para trás cadernos misteriosos. A mãe negligente, fanática religiosa. O sobrinho crescendo sem os cuidados de que necessita.
A realidade de Matías é uma realidade de falta de afeto e inércia. Ele odeia a casa e o bairro em que vive, a mãe, a irmã, e sonha em procurar pelo irmão Cristián. Mas ao mesmo tempo, parece entregue a um cotidiano repetitivo de não fazer nada. Até que um conhecido lhe deixa uma grande quantidade de drogas, que ele pretende vender para ter o dinheiro de que precisa para ir embora.
A narrativa é em terceira pessoa, mas nos permite mergulhar no mundo de Matías, conhecer sua timidez, seu ódio, sua raiva, sua insegurança e o humor negro com que as vezes encara as coisas. Esse é um livro de quebra de expectativas, como os contos da autora que li em "Las cosas que perdimos en el fuego". Não por me decepcionar, pelo contrário, mas porque decepciona os personagens.
Não é uma história feliz ou de superação, tampouco um romance de formação ou de descobertas, porque não há lugar para Matías, e ele erra, se engana e se frustra, e de repente chora e se envergonha. O mundo é cruel, as costas doem e é impossível dormir, mas a gente acredita em Matías e torce por ele. O final é otimista, porém condizente com a história.
Esse livro foi um presente de um conhecido que está morando na Argentina, e creio que está esgotado no Brasil, sequer tendo tradução. Para quem tiver a oportunidade de ler, recomendo. Para quem não puder, indico "As coisas que perdemos no fogo", único livro da autora traduzido para o português.
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