Carola Shimoki 17/07/2020Longa marcha e longa leituraQuando comecei a ler a estória, fiquei extremamente empolgada pq eu queria saber quem ia ganhar o prêmio por vencer a longa marcha, o que aconteceria com o ganhador, que desejo ele faria e porque 100 "adolescentes" entre seus 17 e 18 anos com toda a vida pela frente para viver toparia participar de uma competição em que só haveria uma oportunidade não só de vencer, mas de se manter vivo, uma vez que os competidores que desistem são mortos instantaneamente.
"Pô, mas é só não desistir até o fim da competição!". Mas, aí é que está o pulo do gato. Só existe fim quando todos desistem, menos um. É o jogo do resta um, só que com seres humanos e quem sai está literalmente morto!
Essa ideia me fez ficar grudada nas págs, apesar de entre seus 50% e 70%, o livro ficar bem arrastado, acabei traçando um paralelo com o próprio nome do livro: "looooongo". E, isso me permitiu enxergar com outros olhos essa monotonia na leitura. Além disso, o fato de os competidores, que não tem direito a parar para comer, fazer suas necessidades fisiológicas e são privados do sono, afinal é uma competição e que vença o melhor (lê-se o mais resistente fisicamente) também me deixou muito cansada. A todo instante e cada virada de pág me perguntava:
- Quando vc vai sentir fome?
- Quando vc vai começar a sentir dores?
- Quando vc vai querer ir ao banheiro?
- Como pode não dormir? Ou pior ainda, dormir andando, e de pé?
- Como assim?
Todos esses questionamentos me acompanharam durante a obra inteira e isso também me deixava cansada, como se eu estivesse ali caminhando com eles, apreensiva, com medo e confesso, o tempo todo torcendo pelo McVries e não pelo Garraty. Isso também não me ajudava a ler mais rápido pq essa apreensão por todos esses questionamentos não me deixava avançar rapidamente pelos capítulos e com isso não conseguia ler mais que um cap por dia. Eu já estava ficando cada vez mais irritada que não chegava ao fim quando alcancei os 80% do livro e decidi terminar. E foi exatamente no final, mas, só no final mesmo, na última linha do livro é que eu me dei conta de que este livro não era sobre o vencedor da longa marcha, ou o desejo do vencedor a ser realizado, ou sobre se Garraty iria ou não casar-se com Jan, ou o que aconteceu no fucking passado do Garraty para que ele tenha tantas ressalvas em relação à mãe, ou ainda sobre o pq deste rapaz de 17 anos querer concorrer ao prêmio da longa marcha. Não era sobre nada disso...
Era sobre o mundo de pressão e o caminho que os mais jovens têm que transcorrer, transpor, transpirar e ralar para passar, e tudo o que eles têm que enfrentar até chegar a vida adulta. A perda da inocência quando o ímpeto que o jovem tem ao começar a crescer aliado à petulância de achar que serão bem sucedidos em todos os seus intentos e isso não acontece. As advertências que a vida dá aos jovens dizendo "Não é assim! Escute seu pai, sua mãe, pessoas que têm mais experiência do que vc neste caminho que vc está começando a trilhar agora". E a cada morte de um daqueles garotos durante a marcha, um sonho destruído, um objetivo não alcançado, uma vida destruída, uma rasteira da vida, do universo, de pessoas ao redor que estão competindo não com a intenção de matar-se uns aos outros mas de sobreviver as intempéries da vida. E eu achei isso tão profundo, tão delicado, tão visceral e tão real que passou a ser uma verdade para mim. Ao fazer a analogia da longa marcha com a transição da adolescência para o mundo adulto, exatamente naquele momento quando vc percebe que realmente não tem mais volta, é que a última frase do livro me acertou em cheio:
"Uma mão no ombro. Impaciente, desvencilhou-se com uma sacudidela. A figura escura acenava, acenava na chuva, acenava chamando-o, dizendo-lhe que andasse, que viesse e continuasse o jogo. E era tempo de começar. Havia ainda muito chão a cobrir. Olhos cegos, mãos suplicantes estendidas como se pedindo esmolas, andou na direção da figura escura. E quando a mão tocou-lhe novamente o ombro, conseguiu, de alguma maneira, encontrar forças para correr.
FIM"