Michelle 19/09/2012
Uma tentativa
O Dossiê Iscariotes é um daqueles livros que a gente lê e pensa... "isso poderia ter ficado melhor". Tem um enredo óbvio, uma condução simples que chega a se confundir com amadorismo (e não é?) e uma tentativa de surpreender que não se sustenta por muito tempo. A história se passa na década de 80 e conta um período da vida de um jovem e brilhante jornalista, A.G.V, que é transferido para a sucursal de um grande jornal no Amazonas. Lá ele se destaca pelo excelente trabalho, mas esbarra na inoperância e manipulação do chefe castrador, um ex colunista social frustrado cuja jovem esposa Rita, também jornalista, frequentemente compete com A.G.V. pelas melhores reportagens. A.G.V. é um notívago beberrão nato, bate ponto diariamente no baro do Éric e parece querer afogar as mágoas de uma recente e terrível descoberta: é portador do vírus HIV. Mergulha de cabeça em suas reportagens, sem medo de arriscar a própria vida para isso, e acaba sempre tendo uma "ajudinha do destino" para excelentes e elogiadas matérias. Sorte? O jornalista parece estar sempre no lugar certo, na hora certa, o que não deixa de causar no leitor uma certa incredulidade acerca dessa sorte tão avantajada que o faz, ainda tão jovem, colecionar vários prêmios Esso, e a inveja/admiração de inúmeros colegas. E é numa dessas artimanhas do destino que ele é colocado diante de um acontecimento local, mas que por sua perspicácia e investigação, acaba ganhando o noticiário nacional e inúmeros desdobramentos. Uma rebelião em massa no presídio de Manaus que tem como desfecho uma intervenção brutal da polícia com a morte do todos os rebelados, e também de uma jovem freira que fazia visita aos detentos neste dia. A.G.V. conseguiu chegar antes dos demais colegas ao local e também conseguiu ver a freira minutos antes de ser morta, cena que, a partir de então, o perseguiria em visões sobrenaturais e conversas com o além. O nosso herói, um ateu convicto, começa a sofrer de uma maneira pouco clara e menos claara ainda fica sua gradual conversão ao cristianismo com base nos diálogos rápidos e superficiais que mantém com a freira defunta. Ou seja, uma salada de acontecimentos sem solidez, explicações não fundamentadas, "sortes", e por aí vai o barco se desgovernando em direção ao cume de uma experiência religiosa(?) de A.G.V. com Deus. No meio disso tudo o rapaz ainda consegue cobrir uma das matérias mais importantes da história do Acre, o assassinato do seringueiro Chico Mendes, obtendo informações que nem mesmo a colega encarregada da matéria, Rita, havia conseguido. Mais uma vez, um herói. Não bastasse, isso tudo, o jornalista sobe ao cume de uma montanha onde se encontra com o divino para uma entrevista. Sim, A.G.V. entrevista Deus e de lá volta mais crente do que nunca, embora nada tenha sido descrito de instigante ou mesmo interessante acerca dessa conversa. Com a carreira já devastada pelas perseguições que passou a sofrer depois que desvendou "milagrosamente" a rede mafiosa que se instalava no poder no estado do Amazonas, A.G.V. se entrega ao ofício de relatar sua experiência mística, enquanto, novamente, a vida lhe coloca diante das provas materiais dos crimes que investigava, dando-lhe a oportunidade de dar a volta por cima em grande estilo, como sempre. E é o que acaba acontecendo. Debilitado pela doença, as últimas cenas do livro trazem um herói frágil, mais amável e condescendente com o mundo, bem diferente do jornalista encrenqueiro e brigão que abria fronteiras onde não havia. Já com a sentença de morte em mãos, dado pelo seu médico em seus últimos exames, o livro não para de testar a credulidade do leitor quando A.G.V. recebe do próprio médico a notícia de que não tem mais a doença, sugerindo muito abertamente uma cura sobrenatural. Bem, crenças à parte, como eu disse, as ideias propostas não se sustentam, não se justificam, nem se explicam de forma convincente e satisfatória. Não é como se ficassem no ar, para o leitor tirar suas próprias convicções. Ficam sem ar mesmo, sem chão, sem concretude. É tudo muito óbvio e os diálogos não ajudam na fundamentação das ideias, pois são, em sua maioria, igualmente frágeis. Muito embora todos esses pontos negativos sejam claramente perceptíveis, o livro ainda merece algum louvor, e neste ponto, acho que a tentativa de criar uma trama interessante, permeada de personagens diversos e muito conteúdo historicamente real, são seu destaque. Marcos Losekann é um jornalista de credibilidade e destaque nacionais que, na minha opinião, fez uma tentativa de romancear fatos históricos. Faltou-lhe apenas o primor da literatura propriamente dita. Ah, tem uns erros de português/revisão imperdoáveis. Boa leitura a quem se aventurar!