djoni moraes 07/08/2022
Kitchen: organizando a dor de perder alguém.
Quando terminei de ler as leituras do mês passado, me vi numa ressaca literária imensa, quase desesperado por ler algo que me fizesse sentir também alguma coisa mas que fosse de leitura mais rápida e fluida. Nesse contexto, pedi para uma amiga que me recomenda-se um livro com essas características, e ela então me emprestou esse aqui (aliás, sigam o perfil literário dela no instagram, @joanalendo / beijos, Jô).
Neste livro, acompanhamos duas histórias de jovens mulheres que foram vítimas da morte de entes queridos e que se vem sozinhas no mundo. Na primeira história acompanhamos a Mikage Sakurai, uma jovem universitária que perde a única parte de família que lhe resta, sua vó, e se vê sozinha no mundo. Yoichi Tanabe era um menino que trabalhava na loja de flores favorita de sua vó, quem travou um grande afeto com o menino no seu contato na loja. Assim, Tanabe frequenta o funeral da vó e chega a conhecer a neta, Mikage, a quem convida a morar em sua casa (com ele e sua mãe).
Mikage é uma jovem tenra e solitária, afeiçoada por cozinhas (isso mesmo, o espaço físico mesmo). Já de começo você percebe que a Mikage é o tipo de pessoa que vai aceitar morar com Tanabe e a mãe, Eriko. Assim, os três se aproximam e travam alguns diálogos muito bonitos, parecem até formar uma família de verdade. Eriko é uma mulher transexual e é mãe de Yukio, trabalha como dona de um bar gay e é extremamente bem resolvida, divertida e jovial, porém esconde grande sabedoria. Acho que a principal "crítica" relacionada à narrativa é à forma como Banana Yoshimoto trata sobre a questão da identidade de gênero de Eriko. Confesso que eu também fiquei incomodado, não é nada confortável, mas tendo em consideração quando o livro foi escrito e conhecendo como os personagens se amam e respeitam entre eles, você acaba relevando um pouco. É um livro queer? Neh, talvez? As discussões sobre gênero são bem rasas, até porque não é a temática central do livro, que é o luto.
Coisas acontecem que aproximam Yukio e Mikage ainda mais, até que eles se apaixonam. Aliás, eles se apaixonam? Não sei, talvez?
A segunda história é curtinha e trata da vida de Sutsuki após a morte de seu namorado e de sua cunhada. A tristeza de Sutsuki é um pouco mais pungente e visceral, até porque pelo que parece trata-se de uma personagem mais jovem que acaba de perder o primeiro grande amor de sua vida. Nesse meio tempo, ela conhece coincidentemente a Urara, uma misteriosa mulher que aparece na sua vida ao acaso (um acaso até um pouco Murakamiano, if you know what I mean), com quem trava algumas conversas muito interessantes e profundas, chegando no limite de quase ser muito brega, porém nunca chegando lá.
Um dos diálogos mais bonitos é travado entre a Urara e Sutsuki quando esta estava muito gripada.
"With a cold - she spoke evenly, lowering her eyes a little- now is the hardest time. Maybe even harder than dying, but this is probably as bad as it can get. You might come to fear the next time you get a cold; it will be as bad as this, but if you just hold steady, it won't be. That's how it works. You could take the negative view and live in fear: Will it happen again? But it won't hurt so much if you just accept it as a part of life".
(claramente aqui falando da morte, né, galera)
Enfim, é um livro muito bonito, algumas vezes beirando o poético ("beauty that seems to infuse itself into the heart"). Tirando as ressalvas mencionadas acima, é um livro que chega a ser profundo em algumas de suas nuances. Algumas vezes pode ser brega e os personagens serem muito bonzinhos para serem "reais", mas mesmo assim não desmerece a bela mensagem que a autora passa. É o melhor da sua classe? Não, acho que Murakami fez melhor em Kafka à Beira-Mar. É ruim? Nem um pouco, é um livro muito bom, rápido de ler e não por isso menos profundo. Nunca saí tão satisfeito de uma ressaca literária.