Cássio Cipriano 29/10/2021Fofinho em alguns pontos, mas problemático na maior parte do tempo.Conheci Joy por acaso e comprei os 2 volumes de uma vez só, numa promoção. Fiquei empolgado, pois nunca havia lido mangás, mas depois de ler o Vol. 1, não sei se fiz a melhor escolha.
A premissa de Joy é bem clichê e, se pararmos para pensar que o plot já é sobre um homem hetero se aproveitando da sua relação de trabalho com um homem gay para "seduzi-lo", a fim de ter experiências e referências para escrever um mangá BL, isso em si já soa problemático o suficiente, mas até aí tudo bem, porque o plot chama atenção e tudo vai depender de como a autora desenvolve a trama. Porém, a história não se desenvolve como um romance entre dois adultos (os protagonistas têm 26 anos), e sim como uma relação infantilizada, especialmente em relação ao Go, que é constantemente tratado pelo Akune e por sua melhor amiga, Chifume, com uma espécie de superproteção. Além disso, achei algumas situações bem sexistas e reforçam muitos estereótipos problemáticos. Por exemplo, em determinadas situações, o Akune fala de si mesmo como um "predador sexual", mas generalizando, pelo fato de ser gay (como se todo gay fosse uma espécie de "predador sexual" e os homens ao redor tivessem que tomar cuidado). Tem uma cena em que ele recebe um abraço espontâneo do Go e diz algo como "Não me abraça assim! Esqueceu que eu sou gay?" e, em outra situação, o Go dorme na casa dele e pede permissão pra ficar sem camisa, daí ele diz "Pense um pouco antes de agir! Não esqueça que sou gay." Essas falas reforçam estereótipos de promiscuidade e coloca homens gays como, sei lá, uns tarados. Isso me incomodou bastante.
Também senti que a história reforça um ideal de que só se é feliz estando em um relacionamento, numa parte em que aborda a solidão do Go e como ele tem dificuldades em criar conexões com as pessoas que se relacionam, a ponto de achar que nunca vai conseguir gostar de ninguém. Mas o mais bizarro de tudo, para mim, foi uma associação que o Hibiki, um ficante do Akune, fez sobre o Go ser o tipo de cara que chama a atenção do Akune pelo fato de ele gostar de crianças (porque, no passado, o Akune trabalhou como professor numa creche) e o Go tem uma aparência bem infantil para um homem de 26 anos. Eu quero acreditar que o intuito dessa fala tenha sido levar a uma conclusão de que o Akune gosta de cuidar, de ser afetuoso, mas, se levarmos em conta a aparência infantil do Go e a malícia com que o Hibiki fala isso na cena, pode ser interpretada de forma ambígua e, meu Deus, eu me sinto tão desconfortável em pensar que ele insinuou propositalmente que o tipo de caras do Akune são os que "lembram crianças".
Enfim, Joy é uma história clichê, bobinha, que até trás umas questões interessantes, como homofobia e solidão, mas não são aprofundadas. No fim, é cheia de estereótipos e situações bem problemáticas, e meio que tudo isso fez sentido para mim quando eu li os agradecimentos da autora, em que ela afirma que, neste mangá, "usou os assuntos de um amigo que aprecia a vida gay", ou seja, já é de se esperar esse tipo de problemática em uma história de alguém que não tem as nossas vivências e percepções sobre como é ou não é aceitável retratá-las na ficção.
site:
https://cassiocipriano.com.br/