Vitor Hugo 09/12/2023
BRASIL, QUAL É O TEU NEGÓCIO, O NOME DO TEU SÓCIO, CONFIA EM MIM!
Uma obra assumidamente ousada, que se propõe a instituir uma nova visão, uma nova ideia sobre a sociedade brasileira e suas mazelas.
Nesse sentido, o autor analisa de forma crítica as construções intelectuais que foram consagradas como ideias fundantes de nossa sociedade, em especial as de Sérgio Buarque de Holanda (Raízes do Brasil) e Raymundo Faoro (Os Donos do Poder), as quais nos legaram o "homem cordial" e o patrimonialismo como as grandes chagas brasileiras. Mais tarde, ainda se juntaria o populismo a esta ordem de ideias.
Partindo de uma análise dos textos de Gilberto Freyre, de quem o autor valoriza a análise histórica e factual, mas discorda da interpretação daquele, apresenta-nos o conceito de "culturalismo racista", leitura ainda dominante, a qual aponta que nossos problemas estariam sempre no Estado e no "estamento" que dele se serve, permanecendo o setor privado, o mercado, livre de qualquer consideração negativa.
O autor, então, buscando caminho diverso, sustenta, e eis a base de toda obra, que nossas mazelas decorrem da longeva escravidão brasileira, a qual, sob novas roupagens, segue atuando de formas diversas na sociedade, até porque houve uma continuidade sem quebra temporal da abolição formal da escravidão ao abandono dos libertos, que passaram a constituir o que o autor chama de forma provocativa de "nova ralé de escravos brasileiros".
A "nova ralé de escravos brasileiros" é, na avaliação do autor, a base de nossa pirâmide social, a quem cabe sofrer perpétua humilhação e desprezo, desempenhando as mais desqualificadas atividades manuais; acima, estaria a classe dos trabalhadores qualificados ou semiqualificados; mais acima, a classe médias em todas as suas frações (protofacista, liberal, expressivista e crítica); por fim, no cume, a classe dos grandes proprietários e endinheirados, muito pouco quantitativa, mas que domina, desde o mercado, toda a vida da nação.
Aliás, a visão de classe do autor não é meramente econômica, mas decorre principalmente da mais básica socialização familiar, a qual definirá em grande medida a ocupação e a renda de cada indivíduo na luta pelos bens escassos a que chamamos de vida.
A luta a que se refere o autor é a busca pelos capitais essenciais para a afirmação da pessoa na vida social, quais sejam, o econômico, o cultural e aquele das relações pessoais.
Nesse aspecto, o enfoque do autor é na classe média, que se caracteriza pela apropriação do capital cultural, até mesmo para legitimar seus privilégios, o que ocorre com os discursos do moralismo e da meritocracia.
O que não se percebe, segundo o autor, é que a socialização familiar distinta da classe média já determina vantagens na corrida pelos capitais culturais, na medida em que permite a edificação de pressupostos como a capacidade de concentração e o pensamento prospectivo, o que não ocorre em meio às classes mais populares, notadamente na "ralé de novos escravos", cujos indivíduos componentes sofrem de carências cognitivas, afetivas e morais, gerando uma inaptidão para a competição social.
O grande drama nacional é, no contexto da luta de classes, o pacto antipopular entre a elite do dinheiro e a classe média, esta usada de forma inconsciente por aquela como verdadeira "tropa de choque" contra as classes populares, notadamente quando estas "ousam" uma diminuição da distância social, o que se dá, de forma precária, quando do exercício de governos ditos de "esquerda".
E isso se dá justamente pelo que o autor chama de "colonização" da esfera pública, a partir de ideias dos intelectuais no início citados (e outros que seguiram na mesma linha de pensamento ao longo do tempo), sendo que as tais ideias são massificadas por uma mídia e uma imprensa comprometida e venal, impedindo-se o aprendizado coletivo dada a ausência real do debate de diferentes ideias e opiniões.
Trata-se de uma verdadeira violência simbólica exercida pela "elite da rapina", a qual, partindo do mercado financeiro, dirige e manipula os grandes meios de comunicação, os quais tem como grande destinatária justamente a classe média, que se vê justificada nas ideias falsamente debatidas, de modo que, como já dito, é usada pela elite para a manutenção do estado de coisas, sempre em prejuízo da "ralé de novos escravos", vez que não se fixa o conceito de alteridade na sociedade, continuando a existir "gente" e "não gente".
As tais ideias dominantes, como já se percebe, são justamente o patrimonialismo e o populismo, de modo que as baterias da classe média apenas se voltam à corrupção ligada ao Estado (a "corrupção dos tolos)", enquanto a corrupção real, exercida pela elite financeira/rentista passa ao largo, de modo que os juros mais altos do mundo persistem, em uma intolerável e injusta transferência de renda, o mesmo ocorrendo com a colonização do orçamento púbico, que não se destina a contemplar as necessidades daqueles que mais precisam, mas sim a pagar a tal dívida pública, cujos credores são justamente aqueles que provocam a dívida, dadas as bilionárias e contínuas isenções fiscais e sonegações de tributos legitimamente devidos pela elite rentista.
Em suma, da leitura do texto, recordei-me de uma das tantas frases marcantes de Leonel Brizola: "o Brasil tem um sócio oculto".