Doug 14/04/2019
Sobre decisões e consequências
Thriler de estreia do autor nacional Uranio Bonoldi, A Contrapartida acompanha a trajetória de Octavio Albuquerque Júnior, mais conhecido como Tavinho, que logo cedo é obrigado a encontrar em vida, forças para enfrentar a dura realidade da crueldade humana.
Acompanhamos também as dificuldades e os dilemas que um jovem adolescente encontra em seu dia-a-dia, e o quanto ao longo dessa inevitável jornada o aumento de suas responsabilidades é natural. Seguimos o jovem Tavinho até sua vida adulta, e traçamos uma narrativa completa sobre a trajetória de vida do personagem com base em suas escolhas.
Somos apresentados também a índia Iaúna, da tribo dos Moxiruna, que anos atrás fora trazida para morar em São Paulo com a família de Cristina, mãe de Tavinho, após o trágico massacre de sua tribo. Dona Iaúna, como é conhecida por todos, se torna governanta da casa, e cada vez mais faz parte da família Albuquerque. Além de nutrir um carinho muito grande pelo jovem garoto, também se estabelece como a figura familiar que faz e fará de tudo para fazê-lo feliz.
Assim como diz todas as premissas que envolvem este livro, ele trata-se de um thriller sobre o poder e as consequências de uma decisão.
O autor aborda a ideia de que cada escolha que fazemos, por menor que seja, possui de forma inerente, o poder de trilhar um caminho correlacionado à ela. O que faz com que decisões equivocadas possam resultar em sérias consequências, sempre de magnitude relacionada às ambições embutidas nos desejos iniciais.
Minha experiência com o livro foi um tanto quanto incômoda, pois apesar da premissa no mínimo intrigante, seja por não nos dizer muito, ou por nos entregar de bandeja a moral da história, me deparei com diversas inconsistências durante a leitura que naturalmente me distanciaram dela, e facilitaram muito com que eu simplesmente não me importasse mais com as personagens retratadas.
O autor possui uma narrativa descritiva de forma que antecipa, e praticamente nos indica as impressões que devemos ter ao ler a próxima sequência de diálogos, o que em alguns momentos fez com que eu me sentisse forçado a comprar uma ideia, sem ao menos ter a possibilidade de interpretar quais eram afinal as capacidades de persuasão daquelas personagens. O que em alguns casos também me soou um tanto redundante, já que logo em seguida tudo aquilo que havia sido explicado através de adjetivos seria desenvolvido por meio da interação de personagens em determinadas situações.
Até este ponto, meu incômodo com a leitura me parecia apenas importunação de minha parte, mas foi então, ainda no início do livro, que me deparei com alguns outros detalhes narrativos que por diversas vezes me fizeram questionar o motivo de terem sido utilizados de tal forma. Exemplos como: descrição de fluxos de pensamentos das personagens de uma forma tão engessada e teatral que obviamente não acontece naturalmente, alguns diálogos que parecem não relacionar-se com as respectivas idades das personagens, bem como diálogos utilizados para descrever ou apresentar alguma situação ou objetos em específico de forma desnecessária, tornando-os claramente forçados. A sensação aqui chegou em alguns instantes a ser de que talvez o autor tenha subestimado a capacidade de percepção de seus leitores com relação ao mundo que ele criou.
Ainda assim, até este ponto, ainda creio que toda esta estrutura crítica possa apenas ser algo que particularmente tenha me inquietado.
Entretanto, conforme a trama é desenvolvida, detalhes da construção lógica do enredo e das personagens podem ser facilmente questionados.
Tratando-se especificamente das tomadas de decisões, creio que as motivações sejam contraditórias em alguns momentos, pois enquanto as motivações pessoais e emocionais são profundas e potencialmente fortes, as motivações sociais soam um tanto quanto pífias de mais perante ao sacrifício necessário, ainda mais se levarmos em consideração a maturidade das personagens nos determinados estágios da narrativa em que as escolhas serão feitas.
Já sobre as personagens e o mundo criado por Bonoldi, é possível enumerar um bocado de situações em que facilitações narrativas são utilizadas a fim de fazer com que a trama avance e chegue até o próximo ponto de virada. Claro que quanto a isso podemos sim dizer que existe licença poética e dentro da literatura as personagens não possuem limites para seus feitos, e é mais que natural que muitas ações sejam aceitas pelo leitor e enfim passem despercebidas, mas isso só funciona quando o contexto faz sentido com que esta ação seja apenas mais uma das boa características das personagens envolvidas, o que não acontece quando claramente há uma farsa tamanha nestes atos, que nem dentro da própria trama fictícia faria sentido.
Leitores mais obstinados do gênero irão facilmente juntar as peças do quebra-cabeças de forma precoce, talvez até antes da metade do livro, e traçar a linha até o derradeiro desfecho que chega, tardiamente, nas últimas trinta páginas.
O autor encerra a jornada de Tavinho deixando algumas pontas soltas e inserindo outras que não fazem muito sentido, contudo é mérito dizer que o conflito final é crucial, intenso e apreensivo, e além de tudo ele soube guardar uma boa carta na manga para ser utilizada nos acréscimos finais do segundo tempo, à lá Sexta-feira 13 (1980).
De um modo ou de outro, A Contrapartida, devido à algumas pontas soltas e desencontros narrativos poderá não agradar aos fãs do gênero, mas é fato que possui sim uma trama intrigante, que poderá agradar e até surpreender a muitos, em grande parte por sua cena final que vale pelo livro todo, e pela mensagem moral apresentada na obra.
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