Lilies_. 03/04/2024
Finalmente livres
Basicamente essa resenha será voltada para a valorização do Laurent, por que ele é um personagem tão perfeito, como o cabelo do Laurent estava em quase todos os pensamentos do Damen, como o Damen e Laurent são lindos juntos, como a C. S. Pacat foi grandiosa, mente de titânio ao escrever essa magnífica história, e finalmente, a narrativa de modo geral.
Primeiramente, temos o momento revelação de muitas coisas que já poderiam ser pressupostas pelos leitores no segundo livro. ? por isso não coloquei alerta de spoiler, mas caso você ainda esteja meio perdido sobre o que está por vir, saiba que está entrando em uma zona de muitos spoilers?. Comecei lendo o livro e as coisas estavam dando tudo errado, foi assim em uma boa parte do livro, e com a tensão política em cima dos momentos revelações fez com que a relação quase estabilizada dos protagonistas acabassem se rompendo para aquele estranhamento inicial da trilogia. Com uma pequena diferença que agora esse é um dos momentos de fragilidade do Laurent.
Desde o primeiro livro, eu sempre vi a relação do Laurent com o Damen de uma forma totalmente política, não pela relação entre reinos, mas especialmente entre os personagens e só agora posso dizer o porquê: o Laurent sabia de tudo. E isso reflete muito na dinâmica de seu relacionamento com Damen, mesmo ainda não sabendo que Laurent conhece sua verdadeira identidade. No início da trilogia onde Damen é enviado como um ?escravo sexual" para o príncipe de Vere, o Laurent já sabia quem era Damianos e de muitas outras coisas que irão fazer parte do início prontamente dito para nós. Então, toda vez que o Damen diz "eu sou seu escravo", é uma forma de lembrar ao Laurent que o feriu brutalmente, o Laurent fica magoado ao ver Damen se comparado a um escravo. Ainda mais porque ele sabe quem o fez se sentir assim; o sarcasmo constante, as chicotadas, as performances em público. Ele ficou impressionado porque Damen não apenas internalizou tudo isso, como o tornou parte de sua identidade. É uma droga porque Pacat fez sua obra muito visual para a perspectiva de um único personagem, o que dificulta muito pegar essas nuances.
Para realmente entender a trilogia Captive Prince, preciso lembrar contatemente que estamos observando através dos olhos de Damen e sentindo tudo o que ele sente, ou quase tudo. Vemos lentamente Laurent falando abertamente sobre seus sentimentos, se permitindo sair da sua zona de conforto e só ao longo do livro, se apaixonar. Porém, o mais importante é que esse ponto de vista elimina todas as falhas do próprio Damen, como o fato de ele ser pró-escravidão, e mesmo que não seja cruel por si só, ele é um príncipe mimado, com hábitos que ele considera certos. Damen não é perfeito, e eu acho isso incrível, porque não percebemos isso no primeiro momento em que pegamos o livro para ler. Ele apenas supõe que Laurent é um príncipe moralmente corrupto, mimado e ignorante, mas é exatamente isso que o próprio Damen é, e, é por isso que ele odeia tão intensamente o Laurent, demora um pouco até que ele entenda isso.
A morte de Auguste foi um ato de violência sancionada pelo Estado e Damen não era apenas um ator, um participante inconsciente da guerra, ele era o Estado. Laurent sabe disso melhor do que ninguém, e é assim que ele passa a odiá-lo. Essa tensão só diminui quando Damen reconhece que tirou algo importante para o Laurent, reconhece que poderia fazer as coisas diferentes se ele não fosse tão orgulhoso de suas convicções do que é certo ou errado. É fácil chamar o Laurent de abusador violento na série, afinal suas motivações são mesquinhas e muitas vezes cruel, mas também, ele prefere a diplomacia ao invés de travar guerras e ele nunca mata, exceto para salvar sua própria vida. Damen, por outro lado, certamente tem muitas ideias nobres sobre honra e lealdade, mas onde elas o levaram? Quando o conhecemos, ele estava seguindo cegamente o mesmo caminho que seu pai traçou para ele - participando do imperialismo violento do seu reino, não por malevolência, mas porque é o que ele pensava que deveria fazer; até em seu próprio cativeiro ele nunca sequer pensou em questionar isso. Apenas fixado na ideia de liberdade.
A liberdade para Damen passa a se tornar muito mais difícil à medida que a história avança. Primeiro era escapar do palácio, depois significa garantir que pessoas ainda mais vulneráveis do que ele também possam escapar, depois significa aliar-se ao seu inimigo e trabalhar juntos para proteger duas nações de pessoa inocentes, até que finalmente, a liberdade para Damen signifique liberdade para todos - a abolição da escravidão em Akielos e um compromisso de acabar com o ciclo de imperialismo violento perpetuado por todos os reis antes dele, incluindo seu próprio pai. E isso só se dá devido a sua interação com o Laurent.
Finalmente irei poder falar com segurança sobre o Laurent, mas para isso é preciso entender uma coisa básica: Há um arquétipo na ficção ocidental, e ele é assim; sempre é um cara misterioso, sensual, na maioria das vezes ele é loiro ? Isso é importante?, ele também é frequentemente um manipulador, um traidor, um abusador na sua própria série, ele pode ser frio ou carismático, às vezes ambos, quase sempre é algum tipo de valentão moralmente duvidoso ou uma pessoa considerada totalmente má. Ah, eu odeio esse arquétipo por um motivo muito simples:
A internet nos prepara para sermos solidários com homens violentos às custas de suas vítimas, a causa dessa violência não importa porque isso serve para valorizar suas supostas intenções em vez de seu impacto real. E quando esses homens violentos decidem que serão boas pessoas, devemos pensar que a mudança é instantânea, e também devemos acreditar na palavra deles, mesmo que eles não tenham provado exatamente se considerados confiáveis. Isso é esperado de nós, como espectadores ou leitores, porque a história, a mídia e o mundo valorizam as vidas desses caras em detrimento das vidas das pessoas que eles feriram. Isso explica porque muitas pessoas recriam histórias de abuso para justificar seu interesse nesse tipo de personagem e muitas vezes para desculpar suas ações preconceituosas e abusivas no cânone, porque assim ameniza o fato delas sentirem algum interesse nele. É o famoso ?ele tem um passado triste, por que não amá-lo??
Então, por que mesmo o Laurent fazendo parte desse arquétipo eu consigo gostar dele? De uma maneira mais objetiva, ele se sobrepõe aos padrões que deveria seguir, ele vai além e subverte muitas de suas convenções e arquétipos E são exatamente essas subversões que fazem dele um personagem tão atraente.
O regente, no estilo clássico de um abusador, faz de tudo que pode para encorajar a narrativa de que Laurent, quando era um menino de 13 anos, estava de alguma forma ?pedindo por isso? e podemos ver o Laurent lutar contra isso ao longo da série, desde o primeiro livro quando o Laurent ajuda a agredir Damen de uma forma que remete à forma como ele foi agredido, é o Laurent deliberadamente escolhendo continuar o ciclo de abuso imposto pelo seu tio, que é uma ideia que ele experimenta de diferentes maneiras, mas especialmente no primeiro livro porque é o momento em que ele mais se encontra sozinho e quando, nós leitores, não tivemos nenhuma dimensão de seu personagem, porque o foco é odiá-lo. Podemos ver nos outros livros, que esta cena não o faz se sentir bem ou poderoso, porque é ele fazendo a mesma coisa que seu agressor faria.
De certa forma, atribuir a culpa de seu abuso a si mesmo permite que ele mantenha um senso de controle, e cultivar o controle é o principal mecanismo de defesa do Laurent. Essa narrativa de que a culpa é dele a qual ele acredita fielmente e assim passando a ter a ideia de que existe algo de errado com ele que o torna digno de abuso permite o comportamento abusivo do próprio Laurent, permitindo machucar outras pessoas com tanta facilidade, especialmente pessoas que são parecidas com ele de alguma forma: Nicaise, Aimeric e Jokaste. Cada um foi jogado ali para ser uma das versões que o Laurent poderia ter sido, caso ele não tivesse seguido o caminho que seguiu.
Nicaise: o Laurent vê o Nicaise como a criança que ele foi quando estava sendo abusado, por isso que o Laurent quer ajudá-lo, porque ele está tentando ajudar a si mesmo naquele momento.
Aimeric: Ele vê sua vulnerabilidade e esperanças destruídas nele. Em Aimeric, Laurent vê todas as partes mais odiadas de si mesmo sendo expostas, então olhar para Aimeric, é como olhar para si mesmo, e se ele olhar muito terá que enfrentar o que vê: um jovem solitário sem controle sobre o fato de ter sido manipulado e abusado por alguém que deveria ter cuidado dele.
Jokaste: acho que esse é bem claro com a escolha de irmãos. É o Laurent colocando o Damen em primeiro lugar, abrindo mão de algo em prol de receber alguma outra coisa em ?troca?(o que explica o título do livro).
Acho que de uma forma não intencional o Damen conseguiu fazer o Laurent perceber isso através de seus diálogos, em um deles onde ele fala sobre jogo de tabuleiro. O jogo é o ciclo, e o que Damen está dizendo é que Laurent tem que quebrar permanente o ciclo para ficar verdadeiramente livre de seu tio. Afinal, Laurent também está em cativo, preso nos abusos de seu tio e em algum momento antes da história começar sabemos que o abuso sexual parou, mas o abuso psicológico não, e isso também é violência. Liberdade para Laurent vai significar: libertar-se dos ciclos prejudiciais do passado.
Damen pede a Laurent que finalmente abandone o fardo de sua própria culpa. Se ele consegue perdoar a si mesmo, ele consegue perdoar os outros, ele pode perdoar Damen e finalmente abandonar a compulsão de buscar vingança, que o tem impedido de amar plenamente e é isso que finalmente libertará Laurent do ciclo.
Laurent acredita que não nasceu para governar, Auguste nasceu. O fato de ele se sentir como a segunda escolha de todos. E eu não acho que seja apenas uma coisa após a morte de Auguste, podemos ver na maneira como ele fala sobre Auguste, é bem mais antigo que isso. Auguste era o melhor lutador, o melhor homem, o melhor governante. E então ele morreu e o irmãozinho inapto teve que ocupar seu lugar. Damen muda isso de uma vez por todas, uma vez que Laurent finalmente decide deixá-lo conhecer todas suas camadas e basicamente ele diz: ?se você tivesse tido a oportunidade de conhecer o Auguste teria gostado dele e ele teria gostado de você?, dando a ideia que o Damen gostaria mais do Auguste do que do próprio Laurent, sempre pensando em ser uma segunda opção, e Damen não aceita nada disso, porque realmente não existe nenhuma versão de Damen que não teria escolhido Laurent, então seu pensamento muda conforme Damen o faz acreditar que ele não é o segundo melhor, ele também pode ter nascido para superar ou fazer as mesmas coisas que o Auguste fazia, mas com um diferença clara: mais perfeição para o Laurent.
Assim, eles são capazes de lidar com a violência e os danos que causaram um ao outro sem criar mais violência e danos e com base nessa decisão mutuamente construída de forma lógica, eles são capazes de criar um novo reino que é mais livre para todos. E, óbvio, as coisas não vão ser resolvidas do dia para a noite, estamos em um mundo de fantasia medieval governado pela monarquia absoluta.
Sobre o final do livro, particularmente sobre a forma como o Regente terminou. Eu odiei. Eu estava esperando uma morte dolorosa, do tipo sangrento que te faz ficar horrorizada por dias, e isso não aconteceu. Pacat disse em uma entrevista que quando estava escrevendo muitas pessoas também esperavam um final semelhante ao que citei, mas no ponto de vista dela, quanto mais doloroso você tenta parecer a morte de um personagem, menos significativa ela se torna. Isso meio que fez minha mente explodir por inúmeros segundos, agora eu concordo com seu ponto de vista narrativo. A caminhada até chegar nesse final, tudo que foi construído para o desenvolvimento do Laurent, a humilhação na frente do conselho, todas as pistas que levaram ao plot twist, isso é muito mais importante do que o Regente. O que também não me impede de pensar que o Damen o mataria da forma como ele merece.
Conclusão: não quero dar adeus para esse universo, então direi que isso é um até logo. Pretendo reler a obra para ter uma outra visão, agora que sei de todos os acontecimentos. Acho que o fato da Pacat escrever no anonimato deu a ela uma liberdade maior para sua escrita, a própria reconhece isso, por isso, acho muito difícil ela conseguir escrever outro livro no mesmo calibre que Captive Prince. Todo escritor quer ser publicado por uma editora, e elas naturalmente só querem publicar o que irão vender no mercado. Acredito que isso influencia no tipo de livro que um escritor escreve porque sua preocupação deixa de ser: escrever porque gosta e passar a ser: o mercado financeiro. Isso explica os inúmeros livros que parecem ser todos iguais. É normal. Precisamos ganhar dinheiro de alguma forma. Estou feliz por ter conhecido e gostado muito dessa obra prima, não sei como eu descobri essa trilogia, mas fico feliz por não ter me deixado levar pelas opiniões dos outros sobre como esse seria um livro doentio.