Noites simultâneas

Noites simultâneas Maurício Melo Júnior




Resenhas - Noites simultâneas


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Alexandre Kovacs / Mundo de K 14/04/2019

Maurício Melo Júnior - Noites Simultâneas
Editora Bagaço - 176 Páginas - Lançamento: 2017.

Um romance oportuno neste momento tão peculiar da história recente brasileira, no qual uma parcela da sociedade levanta dúvidas sobre a veracidade dos fatos ligados ao sistema de governo do país entre 1964 e 1985, período que se convencionou chamar de ditadura militar, marcado pela cassação dos direitos constitucionais, censura aos meios de comunicação, perseguições políticas, e o combate violento aos opositores do regime por meio de tortura e morte. Por mais que o passado seja incômodo ou doloroso, não será esquecendo ou distorcendo a sua própria história, que um povo se consolidará como nação para exercer o pleno direito democrático e a construção de um futuro melhor.

Em Noites Simultâneas, o escritor, jornalista e crítico literário Maurício Melo Júnior nos leva a conhecer esta época sombria, não com o rigor científico de historiador, mas por meio do seu olhar humano de ficcionista, contando uma entre muitas outras histórias possíveis de um protagonista que representa uma geração que esperou mais de vinte anos para recuperar o direito de voto. Filho de proprietários rurais, ainda jovem e estudante de medicina, o moço que, no início, é "um velho com planos e nenhum sonho", é influenciado pela namorada e entra para uma organização clandestina contra a ditadura. Quando a organização é desmontada em todo o país pelos agentes da repressão, o casal toma rumos diferentes, ele defende a ação pela luta armada no campo como uma opção para obter a justiça social e ela segue a orientação da direção, um recuo estratégico que a levará a passar muitos anos no exílio.

Uma característica do processo narrativo é que todos os personagens não são nomeados, assim como os locais e a época onde se desenvolve a trama do romance também não são explicitados claramente. Assim, o personagem principal é chamado de moço e, no decorrer da narrativa, vai mudando de designação conforme as atividades e funções que assume no romance: prisioneiro, fugitivo, escriturário, bancário e assim por diante. A ausência de nomes, os longos períodos de confinamento, assim como a imprecisão de localização no tempo e espaço – apenas algumas poucas referências eventuais para situar o leitor – criam uma sensação claustrofóbica e induzem a percepção da clandestinidade vivenciada por essas pessoas.

O protagonista cria uma célula guerrilheira independente, composta de cinco elementos: "o moço (ele próprio), uma estudante de engenharia, um estivador, o filho de um ferroviário e um militar que desertou". É claro que este grupo limitado não tem a menor chance de sucesso. A compra de armas para as futuras operações é financiada por um assalto a banco, mas eles acabam sendo descobertos e tem início o longo período na prisão, um lugar em que "o pensamento atrofia e as lembranças morrem", onde "esgota-se o repertório das saudades". A bela passagem abaixo me faz lembrar do caráter essencial da narrativa, da palavra exata que "não foi feita para enfeitar, brilhar como ouro falso" como nos ensinou o velho Graciliano Ramos.

"Os dias passam monotonamente; horas estendidas, desesperançadas. Preso pelo medo, o fedor o horror, recorre à memória, poemas decorados, passagens da vida, qualquer coisa que apresse o tempo, mas o pensamento atrofia, as lembranças morrem, esgota-se o repertório das saudades. Busca os companheiros, puxa conversa, mas já ninguém tem novidades para contar, e as lições da ideologia também envelhecem, não despertam interesse, tudo se esmaga, escorrem a dignidade, a esperança, o ideal, a vida, o passado, o presente. [...] O silêncio que atormenta é real, a espera deprime, os dias nascem como espelho do dia anterior, a fedentina, a luz mortiça, o calor, os companheiros mudos, tudo idêntico; fala sozinho, para si mesmo, canta, recita, qualquer coisa que denuncie uma existência, esforços inúteis, bate o caneco metálico – seu único bem – no chão, mas nada quebra o silêncio, nem mesmo o relato dos encarcerados que voltam dos interrogatórios; falam de torturas, de delações, de quedas, de brutalidades, de heroísmos e resistências, mas nada rompe o silêncio. Os livros entram clandestinos na cela; são memórias de resistência, tratados políticos, libelos econômicos, relatos históricos. Quase sempre no final da tarde formam círculos onde discutem as leituras. Há conflitos, debates, esclarecimentos, controvérsias, mas tudo o que chega aos ouvidos do prisioneiro é o inquebrantável silêncio." (p. 78)

A narrativa em terceira pessoa é enriquecida com inserções em primeira pessoa, uma técnica bem conduzida pelo autor que permite acompanhar de perto as reflexões em retrospectiva do protagonista, a lenta corrosão de seus ideais pelo medo decorrente das torturas que sofreu na prisão. Por sinal, no trecho abaixo, temos um "desabafo" de um elemento da repressão que não reconhece os choques, afogamentos e queimaduras como atos de tortura, mas simplesmente como "métodos de interrogatório" que visam "garantir nossas conquistas e desenvolvimentos". O que assusta é constatar como este discurso ainda existe hoje, justificando atos de crueldade e violência em função da defesa contra pretensas ações comunistas, mesmo depois de trinta anos da queda do muro de Berlim e do fim da União Soviética.

"Olhe que estudei, fui bom aluno minha vida inteira, só não cheguei a me formar porque tive que enfrentar o batente, sustentar mulher e filhos, mesmo assim não consigo entender vocês, os comunistas, vivem no melhor dos países, onde se tem de um tudo e não há quem passe fome; um governo democrático, justo, progressista, acolhedor, veja aí os estrangeiros que a gente recebe sem nenhum problema, mesmo assim vocês reclamam, falam em tortura, uma mentira deslavada, nós aqui usamos métodos de interrogatório, estamos em guerra, precisamos reagir para garantir nossas conquistas, o desenvolvimento, a liberdade, se deixar tudo no frouxo, tomam até nossas mulheres, nossas filhas, nossas riquezas, nossas matas, nossos minérios, só por isso levamos vocês no controle, fora disso cada um faz o que bem quer, e vocês, os comunistas, ainda reclamam, gritam, fazem greve, uma anarquia, por isso tomamos o pulso da resistência, para preservar nossa felicidade dos interesses estrangeiros que vocês defendem, um país gigante não pode se curvar diante de uma gente menor, vocês precisam entender que só agimos na defesa do nosso país e da nossa gente." (pp. 91 e 92).

Maurício Melo Júnior é pernambucano de Catende. Escritor, jornalista, crítico literário e documentarista. Trabalhou no jornal Correio Braziliense. Atuou em assessoria de imprensa na Câmara dos Deputados, Senado Federal e Ministério da Justiça. Foi professor no Centro de Ensino Universitário de Brasília - CEUB e chefe de telejornalismo da Radiobrás. Escreveu resenhas literárias para o Jornal do Brasil (RJ) e Zero Hora (RS). Escreveu e publicou mais de vinte livros infantojuvenis, além de um volume de novelas, Andarilhos, e um outro de crônicas. Tem contos publicados em várias antologias e escreveu para o teatro as peças Volta à Seca e Depois da Guerra. Participou de diversos eventos literários e foi júri em concursos literários. É jornalista da TV Senado, onde dirigiu e apresentou o programa Leituras, dedicado à literatura brasileira. Escreve resenhas literárias para o jornal Rascunho (Curitiba/PR) e crônicas semanais para o blog Jornal da Besta Fubana (Recife-PE).
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Douglas | @estacaoimaginaria 30/03/2019

Intenso e inspirador
Amei conhecer essa história que relembra um dos tempos mais difícil do nosso país: a ditadura. Essa discussão, hoje, se faz ainda mais pertinente. Mas vamos focar no livro. Bora!
O livro se passa na época da ditadura brasileira que muitos de nós conhecemos apenas pela literatura, pelos livros de história, ou por histórias de familiares, amigos e conhecidos. Pois bem, somos apresentados ao moço e à moça. Mas a história em si é do moço, filho de proprietários rurais e que sai em busca da formação de medicina, na capital (não necessariamente a paulista). Lá, ele encontra a moça e os dois entram para a militância contra a ditadura.
Resumidamente, esta é a história. Não conhecemos os nomes dessas pessoas, nem onde elas vivem. Só podemos especular e, pelo que li, muitos acreditam que a história se passa no Nordeste, com passagens por Brasília, o que faz sentido. O próprio autor é pernambucano. Mas acho que a mensagem que o autor passa é de que não importam nomes, das pessoas ou das cidades, o que importa é o quão cruel foi esse período brasileiro que todos lembramos até hoje como sinônimo de violência, censura, caos e sofrimento. Mas também de muita luta, a luta de muitas pessoas como o moço e a moça.
Bom, pelo que li, esse livro começou a ser escrito há muitos anos, com outro nome e em primeira pessoa. Anos depois, o romance foi reestruturado e se tornou essa obra fascinante escrita em terceira pessoa, mas dividida em partes em primeira pessoa, o que eu acredito que sejam momentos do moço em cartas para a moça. Creio nisso por conta de suas palavras, pois parece que está conversando com ela.
Bom, falando sobre essa escolha do autor de não dar nome às pessoas que são personagens desse livro, conhecemos todos apenas por apelidos ou por suas características, físicas ou de personalidade. Essa escolha do autor, na minha visão, remete diretamente àquela época, por duas razões: um símbolo, como homenagem aos personagens reais da ditadura, que lutaram bravamente pela reconquista da democracia, da liberdade; segundo por demonstrar os grupos de resistência, que, pelo que li, não usavam nomes, eram conhecidos por “codinomes”, até por segurança. Se isso era um fato, não sei, mas é algo que, pra mim, é remetido nessa decisão do autor.
Como eu disse, essa história é praticamente a vida do moço, que não termina o livro como sendo “moço”, a partir do momento que entra para a resistência. A relação dele com a moça me pareceu meio cinematográfica, quando vemos uma relação em meio à uma guerra, ou algo do tipo, em que ambos parecem estar juntos “até a morte”. Não estou dizendo que este seja o caso dessa história, mas a relação dos dois me lembrou muito isso.
Preciso dizer que o personagem denominado como “moço” é inspirador, talvez um tanto quanto utópico, assim como o livro em si tem uma pouco das duas coisas. Mas sua luta é inspiradora, e o autor consegue colocar isso de maneira muito interessante, mostrando realmente o quanto para o moço era necessária a resistência. Acho que um dos momentos mais pesados da obra é quando ele é preso e torturado. A descrição dos métodos utilizados para tortura daquela época é estarrecedor, aterrorizante e arrepiante. E o pior é saber que tudo isso era feito em nome da pátria amada.
Falando um pouco da narrativa do livro, novamente me surpreendi com um livro escrito de uma forma totalmente diferente da que estou habituado. O autor usa de uma narrativa praticamente poética, se posso definir assim. Os capítulos são curtos e ágeis, assim como a linguagem é clara e objetiva. No entanto, há parágrafos longos, quase sem pausas, sem pontos finais. É como se o autor estivesse “desabafando” tudo aquilo, jogando aquelas palavras, sem nos deixar descansar. E isso é positivo, principalmente por não ser algo que estou acostumado a ler. O vocabulário, então, é riquíssimo. Me surpreendi muitas vezes tendo de pesquisar determinadas palavras. Isso não dificulta a leitura, e nos permite conhecer melhor nossa língua.
Quero finalizar dizendo que sim, eu amei ler esse livro, mas confesso que teve partes em que me “perdi”. A narrativa é interessante, mas por não ser uma narrativa que estou acostumado, acabei me perdendo em alguns momentos. Isso não interferiu no resultado, na mensagem recebida e no prazer de ter lido essa obra. Como eu disse no começo, em tempos como esse que vivemos, é importante lembrarmos desse passado cruel e termos em mente que apesar de estar no passado, esse período sempre fará parte da nossa história.
E é isso. Eu espero de coração que tenham gostado dessa resenha.
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Lucas Furlan | @valeugutenberg 29/05/2019

Uma leitura importante nos dias atuais
"Noites simultâneas", primeiro romance do pernambucano Maurício Melo Júnior, teve uma gestação lenta. O autor começou a escrevê-lo em 1988, mas não ficou satisfeito com o resultado. A obra foi deixada de lado, sendo retomada e finalizada mais de vinte anos depois. Acredito que essa distância temporal tenha sido fundamental para o livro, já que o personagem principal precisa aprender a amadurecer, envelhecer e seguir em frente, depois de ter conhecido de perto o lado mais terrível da ditadura militar. O passar dos anos permitiu que o autor pudesse desenvolver seu texto com um maior distanciamento.

O nome do protagonista de "Noites simultâneas" jamais é mencionado. No início do livro, ele é identificado como “o moço”, um rapaz que sai do interior para estudar medicina na capital. Lá, ele se apaixona por uma estudante de sociologia, “a moça”, e entra para o movimento contrário aos militares do qual ela faz parte.

Com o passar do tempo, à medida que a repressão aumenta, “o moço” se torna cada vez mais radical. Quando a organização se desfaz, o casal segue caminhos diferentes e ele decide entrar para a luta armada. Não demora pra que ele seja preso e torturado.

O período passado na prisão compõe a segunda parte de "Noites simultâneas", quando “o moço” se torna “o prisioneiro”. São páginas densas, pesadas e tristes.

Quando o protagonista deixa o cárcere, tem início a última e mais longa parte do romance. Com cicatrizes físicas e emocionais, o protagonista precisa, na medida do possível, seguir em frente com a vida, enquanto reflete sobre os erros e acertos de sua juventude.

Ele passa a ser apresentado sob outras alcunhas (“o escriturário”, “o bancário”) e tem novos relacionamentos, mas não consegue deixar de imaginar como seria sua vida ao lado “da moça”. Será que ela ainda estaria viva? Será que um dia eles iriam se reencontrar?

Apesar de "Noites simultâneas" ser seu primeiro romance, Maurício Melo Júnior é um escritor veterano. Ele é jornalista, crítico literário, e já publicou contos, livros infantojuvenis e coletâneas de novelas e crônicas. Seu cuidado na escolha das palavras e na construção do texto é evidente, e ele transita com muito talento entre a narração em terceira pessoa (usada para contar a jornada do personagem principal) e em primeira pessoa (quando o próprio protagonista faz observações sobre os acontecimentos de sua vida).

Mesmo com suas qualidades, eu preferiria que as informações sobre os personagens fossem mais concretas e menos vagas — mas isso é apenas meu gosto pessoal. Entendo, porém, que a opção do autor ajuda a definir as diferentes fases da vida do “moço”, em contraposição, por exemplo, ao seu mentor, que é sempre chamado de “o velho camarada”.

O desfecho do livro é agridoce. Não é necessário concordar com as conclusões do protagonista, mas elas são perfeitamente verossímeis.

A leitura de livros como "Noites simultâneas" é muito importante nos dias atuais, quando tantas pessoas relativizam — ou negam — as atrocidades cometidas durante o regime militar.
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@biaentreleituras 10/06/2019

Um rapaz ainda jovem sai do interior para fazer faculdade, quer ser médico. Está na cidade para fazer o vestibular quando presencia um ato violento de militares contra uma passeata em uma ponte, ele acaba no meio de todo o caos e encontra com uma bela jovem que também foge da confusão, a fúria da repressão não para e os dois precisam fugir. Começava ali, no meio de uma fuga, um amor intenso que ficaria para sempre na memória dele.

O moço vem de uma família de fazendeiros, seu pai tem bons negócios e não está satisfeito com a ideia do filho de ir para a cidade estudar para ser médico, preferia o filho tocando o negócio da família. Desgosto para o pai e orgulho para a mãe, ela estava toda contente com a profissão que ele escolheu.

O Moço muda-se para a cidade e continua com a faculdade, também mantém contato com a moça que conheceu. Ela é estudante de sociologia e faz parte da resistência, o rapaz começa a frequentar as reuniões e logo se associa também. A ditadura militar está cada vez mais agressiva e é preciso contra-atacar, além dos protestos e é preciso, também, partir para a luta armada e para a expropriação de bens.

O moço e a moça já não seguem juntos, ele sente falta da amada, mas não tem notícias dela. O jovem está cada vez mais integrado com o movimento, trabalha disfarçado, se envolve em circunstâncias perigosas, mas não desiste de fazer a diferença e acabar com a ditadura. Por mais que ele e todos os envolvidos tenham cuidado, a casa cai e o moço é preso. A guerrilha perde companheiros, mas a luta continua.

O moço se torna um prisioneiro e ali dentro da prisão é torturado dia após dia, são momentos nos quais a morte parece ser a melhor solução para acabar com toda aquela dor, ele já não suporta mais tanto sofrimento e a esperança também o abandona. Na prisão ele conhece tantos outros com histórias como a sua, pessoas que lutavam por um país melhor e livre da opressão, mas que foram jogados dentro de uma cela com condições desumanas, muitos deles desaparecem após as sessões de tortura.


*Resenha completa lá no blog > http://bit.ly/2WBbe4m

site: http://vocedebemcomaleitura.blogspot.com.br/
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