otxjunior 09/07/2021O Príncipe das Marés, Pat ConroyEste livro é cringe. Portanto, geração Z e similares mantenham distância. O narrador certamente também não compreenderia a tristeza complicada da modernidade. Tom Wingo é infeliz, raivoso, sensível, covarde, egoísta, adorável, cínico, intolerante. E, enquanto impensável para nossos contemporâneos possuir até dois desses adjetivos, é isso que o faz um grande personagem e sua filosofia irônica digna de redenção ao final. Dito isso, ele nem é a personagem mais interessante da história, mesmo excluindo a imbatível Colleton, cidade onde Tom nasceu e cresceu, ou de sua família disfuncional. O que não quer dizer mais sobre ele do que seus parentes. Mas também não deve ser fácil manter o lirismo fantástico da esplendorosa região sul dos Estados Unidos durante a fase adulta. A infância dos Wingos, porém, também teve sua dose de eventos traumáticos de espantosas consequências.
A maneira como os pais criam seus filhos e se comportam em torno deles estabelece a base que constrói suas personalidade e auto-estima. Mas é meio ridículo, principalmente na meia-idade, ainda julgá-los por suas decisões erradas e fracassos. O protagonista, no entanto, parece ciente disto e é assumidamente patético. O que não torna mais fácil admitir que me identifiquei com ele em alguns pontos, mas também não deve ter sido fácil para Pat Conroy. Freud explica? Ele ao menos tenta aqui encarnado na psiquiatra judia Susan Lowenstein. Quem, claro, inspira amor ao protagonista apesar da misoginia, racismo, aversão a sociedade novaiorquina dele. E devo parar por aqui para não ser acusado de passador de pano.
O autor reflete a confusão de seu personagem no trato com as mulheres ao atribuir a suas figuras femininas falas impossíveis como as que revelam sua neurose sexual ao parceiro ou do tipo "se eu fosse você, nunca me perdoaria". Uma delas, a irmã do protagonista, por outro lado, introduz um dos principais temas do romance, a salvação - até da morte - através da arte. A necessidade de mitificar o passado trágico para a sobrevivência me lembrou de As Aventuras de Pi, de Yann Martel (tem até um tigre-de-bengala! que não está no filme, do pouco que me lembro dele; talvez por isso Streisand não competiu ao Oscar de melhor direção?).
Apesar dos americanismos em excesso, os símbolos - vida/arte, homem/natureza, pai/mãe, lua/sol - são de fácil apreciação e a mensagem da obra suficientemente universal. É claro que é piegas em sua conclusão a favor dos valores tradicionais da família acima de qualquer coisa, mas cumpre a promessa da contracapa de provocar no leitor pelo menos três reações: rir, chorar e pensar. Quer coisa mais cringe que isto?